sábado, 26 de dezembro de 2009

Café antes do Apocalipse

Ele estava entrando na casa dos trinta, vestia uma calça jeans simples e uma camiseta branca, tinha cabelos castanhos e ordinários, olhos azuis muito alegres e um sorriso radiante no rosto. Seu nome era MORTE. Caminhava empolgado rua abaixo naquele dia maravilhoso de sol quente. Ele foi até um pequeno restaurante aconchegante e se enfiou num box pra seis pessoas. Pediu uma fatia de torta de banana com calda quente à garçonete. Ficou sentado no box cantarolando alegremente.

Mais tarde, na mesma rua, surgiu um segundo homem. Ele aparentava ter uns quarenta anos, os cabelos nas laterais da cabeça começando a ficar grisalhos. Sua postura era perfeita, tão reta quanto a de qualquer pessoa viva poderia ser. Trajava um terno preto com gravata preta e não olhava para os lados enquanto marchava até o pequeno restaurante. Seu nome era GUERRA. Entrou no estabelecimento e sentou-se no mesmo banco ocupado pelo rapaz que comia torta preguiçosamente. Pediu café e acendeu um cigarro, ignorando o cartaz que dizia que era proibido fumar ali.

Agora subindo a rua, vindo da parte pobre da cidade, vinha um rapaz de no máximo dezessete anos. Vestia uma calça jeans escandalosamente agarrada às coxas magras e uma jaqueta de couro sobre uma camiseta deprimente de um palhaço se enforcando. Tinha muitos piercings nas orelhas e no rosto, seu cabelo era encebado e rebelde, indo pra todas as direções. Ele tinha passos vacilantes, parecia entorpecido. Seu nome era PESTE. Ele entrou no restaurante trocando pernas e se sentou no mesmo banco dos outros dois homens. Pediu à garçonete um pastel de frango e roubou muitas folhas de seda de cima da mesa.

Lá fora do restaurante, o dia quente e alegre começou a se transformar. O sol se escondeu atrás de grossas nuvens cor de chumbo e começou a ventar muito forte. Grossas e gordurosas gotas de chuva suja começaram a cair do céu.

Subindo a rua na direção do restaurante vinha um quarto homem. Era imenso, muito gordo e quase da altura de um homem e meio. Se arrastava rua acima vestindo uma calça marrom muito feia, manchada de vômito, uma jaqueta poída e uma camisa encardida e gasta. Na cabeça tinha um chapéu marrom igualmente miserável. Seu nome era FOME. Entrou no restaurante e finalmente ficou claro porque os outros três homens estavam sentados todos do mesmo lado do box. Fome precisou de um lado inteiro do box somente para si e seu corpo descomunal. Sentou-se de frente pros outros e tirou o chapéu com humildade.

Morte olhou pra todos e sorriu efusivo, deu mais uma garfada na torta, depois falou de boca cheia:

- Bom ver todos você companheiros, fazia tanto tempo! - Ao contrário do que se poderia esperar, Morte, o mais temido Cavaleiro do Apocalipse, era muito amistoso e gentil. Falava o tempo todo num tom agradável e parecia sempre muito feliz.

- Fizeram falta, vocês não vão acreditar no que eu andei fazendo nos últimos milhares de anos! - Peste tinha um olhar distante e vidrado, estava claramente drogado ha algum tempo e seu corpo já não tinha mais capacidade de parecer o de uma pessoa saudável, sua pele era amarela e manchada e seus dentes eram escuros.

- Vamos aos negócios Senhores. - Disse Guerra muito rude. Sua voz era firme e não desafinava uma única nota. Além de severo e autoritátio, arrogância também era uma de suas marcas principais.

Fome não deu sinais de que diria nada, Guerra prosseguiu:

- O fim está próximo Senhores! - Ele deu um tapinha firme no tampo da mesa e começou a falar num tom de discurso ensaiado. - É nossa missão dar cabo de tudo que nos foi encumbido! Como vocês devem bem saber, graças a esse avanço dos mortais chamado tecnologia, a guerra e a discórdia estão por toda parte! Homens estão se atacando e matando uns aos outros ao redor de todo o mundo meus amigos! Que alegria! Eu vou repousar sempre com a sensação de que minha parte da missão está sendo cumprida! Vivas!

Morte bateu palmas e soltou um gritinho animado, sorria . Guerra sorriu pressuroso e sentiu-se admirado pelos companheiros. Morte tomou a palavra:

- Muito bem companheiro Guerra, muito bem! - Ele deu um gole num refrigerante cáustico em seu copo. - Bom, pra dizer a verdade, eu não posso reclamar de muita coisa da minha parte. O trabalho de todos vocês é excelente e sempre me rendem muitos espólios. Os mortais estão morrendo aos milhares o tempo todo!

Guerra deu mais um sorrisinho vitorioso, mas Peste interrompeu:

- Mais velhos, mais sábios e mais experientes que eu vocês podem ser meus compadres Cavaleiros, mas eu me recuso a ser rebaixado aqui. Se você não perceberam, meu trabalho vai indo muitíssimo bem! O homem espalha por aí substâncias viciantes, eles se destroem aos poucos e essa epidemia de morte lenta ainda ajuda a distruibuir muitas das minhas obras-primas pelo mundo. Câncer, Hepatite, AIDS, o mundo não sabe como se livrar da minha arte!

Guerra ficou claramente se sentindo contrariado, mas Morte gargalhou gostosamente e aplaudia o jovem companheiro com entusiasmo. Morte falou:

- E você meu bom amigo Fome, que nos conta de suas façanhas? O Fim vem chegando e temos que ter certeza de que tudo está correndo bem.

Fome levantou a cabeçorra e encarou os amigos ali sentados, seus olhos eram tristes e ele suspirou alto, torcendo seu chapéu nas mãos antes de falar:

- Vejam bem. - Começou. E sua voz era tão grave e triste que os outros três Cavaleiros quase que imediatamente começaram a chorar, soluçavam em silêncio, constrangidos. - O mundo é um lugar imenso e o glorioso trabalho dos Cavaleiros do Apocalipse está sendo notado por toda a parte. Concordo com o irmão Guerra e o irmão Peste, que estão mostrando admirável trabalho, e admito que o irmão Morte, mesmo colhendo os frutos do trabalho alheio também tem seu valor. - Morte deu um sorrisinho amarelo e sem jeito. - Mas eu vim aqui hoje pra clamar meu lugar de direito como o líder dos Cavaleiros.

Os três Cavaleiros se entreolharam incrédulos.

- Você pode até fazer um bom trabalho na África companheiro Fome, mas eu não consigo ver muito mais do seu trabalho em qualquer outra parte do mundo. - Disse Guerra.

Fome não sorriu, na verdade seu rosto ficou com uma expressão ainda mais triste e os três Cavaleiros se puseram a chorar novamente:

- Muito se engana, irmão Guerra, se você pensa que tudo o que eu posso fazer é retirar a comida da boca dos homens. A fome é uma metáfora que você deve ter falhado perceber. Chamam-me Fome por causa do vazio que causo e esse talvez fosse um nome muito mais apropriado a mim, Vazio. Minha influência vai tão além do alimento físico que você talvez não faça idéia, mas eu posso tentar explicar. A miséria, a falta de esperança, o medo, o ódio, a falta de amor, a solidão, a depressão, o desespero, a apatia, são todas minhas ações. São todos resultados do poder do Vazio na mente e no espírito dos homens. Hoje as pessoas se afastam umas das outras cada vez mais através da tecnologia, se acomodam em vidas que não são felizes, mas não são tampouco infelizes, e isso as satisfaz. As pessoas se envolvem em relacionamentos vazios e sem significados, com medo da dor de perder um amor, e isso só fortalece a falta de esperança, a solidão e tristeza no mundo.

Guerra estava lívido, Peste parecia confuso e Morte sorria com lágrimas nos olhos:

- Prossiga irmão.

Fome suspirou e falou mais:

- Enquanto houver no mundo a dúvida, a falta de coragem, a falta de insistência, o medo de tentar. Eu, o Vazio, vou me alimentar dessas coisas e meu poder só vai crescer. O espírito dos homens está quase morto. A vida miserável que levam é o bastante pra eles. Sem sucesso real, sem alegria real, sem amor real. Morre a poesia e o romantismo e florescem o cinismo e o medo. Medo da morte, medo da guerra, medo da peste, medo da dor, medo do amor, medo da solidão, medo de tudo, medo do VAZIO. Os homens temem a vida hoje mais que qualquer coisa meus irmãos, eles temem o que querem e o que poderiam alcançar se realmente tivessem coragem pra tanto, isso é a minha força!

Morte não resistiu e se levantou aplaudindo, lágrimas escorrendo pelo seu rosto:

- A coroa é sua irmão, você me convenceu! - Do indicador da mão direita, Morte puxou um anel pálido e o entregou para Fome. Assim que o anel foi colocado em seu dedo, Fome se levantou e saiu do restaurante. O dia aos poucos clareou e parou de chover, o sol se arriscou iluminar novamente a rua.

Guerra se levantou irritado na sequência e saiu empurrando Peste pra fora do estabelecimento, Morte ficou pra trás e pediu uma outra fatia de torta de banana com calda quente.

- Cavaleiro do Vazio...soa estranho...Cavaleiro do Medo? - Conversava sozinho. - De qualquer forma, ninguém vai reescrever o livro, vão sempre conhece-lo como Fome, sem saber o que realmente aquela palavra significa...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A Mulher da Minha Vida

[Atendendo a milhares de pedidos, mentira, mas atendendo a um único pedido muito especial, eu vou fazer um novo post com o tema "A Mulher da Minha Vida". O post anterior deu uma boa idéia do que eu penso sobre o assunto, mas aqui eu pretendo me focar mais na mítica forma de uma única mulher que seria essa ninfa prometida a esse pobre Troll que vos escreve...]

A mulher da minha vida vai surgir na hora certa, nem um segundo antes e nem um segundo depois. Ela vai ter bagagem e isso fará dela uma pessoa mais madura e competente em se relacionar, me deixando ainda mais encantado.

Ela será inteligente e independente. Vai ser engraçada também e conversar com ela vai me fazer sentir bem como eu nunca me senti antes. Quando ela chegar meu estômago ficará frio e quando ela se for, meu coração ficará pesado.

A mulher da minha vida nunca vai me julgar levianamente ou ter preconceitos bobos contra mim, mas ela vai sempre me criticar com carinho pra me tornar uma pessoa melhor no que eu puder. Antes de ser minha mulher, ela será minha amiga, minha conselheira, minha companheira, minha mentora em alguns assuntos e minha aprendiz em outros.

Ela vai ser uma verdadeira tigresa, sensual, provocante. Com pouco mais que um carinho bem colocado no pescoço ela vai me fazer acreditar eu vi o paraíso, e quando estiver realmente empenhada, não faço idéia do estrago que ela vai ser capaz de fazer.

A mulher da minha vida será absolutamente linda e maravilhosa, não me importando o que digam, aos meus olhos eu sempre verei uma ninfa de esplendor sobrenatural. O cheiro dela vai me fazer uivar de prazer e seu olhar vai me paralisar e me acalmar, como se eu pudesse passar dias somente olhando pra ela e aquela luz que ela emanará, aquela beleza dela poderá me alimentar.

Ela vai estar pronta pra mim quando nos encontrarmos, e ela vai me odiar e me temer a princípio, ela não vai querer ser domada. Ou pelo menos não logo de cara. Mas ela vai eventualmente entender as circunstâncias especiais do nosso encontro e se render. E a partir dali é que a aventura realmente vai começar.

Pensando aqui, eu realmente já tenho tudo organizado, talvez porque eu ache que eu e a mulher da minha vida já nos conhecemos...quem sabe?

domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre velhas senhoras...

Escrever sobre o amor é complicado, tanto porque existem milhares de pontos de vista quanto porque é um dos assuntos mais batidos que existem, quer dizer, todo mundo que já se pegou com uma caneta na mão escrevendo algo já rabiscou sobre o amor. O que fazer então? Bom, eu não quero escrever sobre o amor, até porque eu ainda nem tenho certeza se acredito nisso (mentira, eu acredito sim).

Mas, existe algo próximo, embora ligeiramente diferente. Quantos de vocês já ouviram a expressão "Funalo de tal é o homem da minha vida" ou então "Fulana é a mulher da minha vida"?

Basicamente, esse raciocínio parte do princípio de que só existe uma única pessoa no universo inteiro que serve pra você. E claro, essa pessoa nunca mora na Índia, no Sudão ou na Argentina. Ela sempre vai morar na mesma cidade ou, em casos extremos, no mesmo país que você. Afinal o destino não seria assim tão cuzão não é mesmo?

Eu tenho dificuldade pra pensar na "Mulher da Minha Vida"...essa coisa de uma única pessoa é pressão demais...quero dizer, e se não der certo com essa pessoa? Você morre sozinho? Eu prefiro pensar que as coisas dão certo com um sem número de pessoas compatíveis e dão errado com todo o resto. Alguns milhares pode até nem ser nada perto de 6,5 bilhões de pessoas, mas com certeza é bem melhor que só 1.

Agora, aumentando nossa área de efeito pra alguns milhares, bom, isso gera muitas possibilidades. Eu acabo conhecendo boas candidatas pra "mulher da minha vida" em toda parte. Nas ruas, nos ônibus, na internet. E aí, como lidar com isso?

Acho que não existem regras pra agir, cada um joga do seu jeito, mas eu posso dar alguns conselhos que eu considero bons.

Quando você encontrar aquela pessoa que te faz sentir as tais borboletas no estômago, fique por perto. Não a assuste sendo carente demais, nem a afaste sendo frio, diga coisas legais, mas é importante que tudo o que você diga seja sempre sincero. Vai ter aquele momento de tensão, aquela linha entre amizade e algo mais, seja firme e cruze a linha sem medo, se apresente como um pretendente e não só mais um cara. Seja você mesmo, por mais sem graça que seja, talvez a sua insipicidade seja exatamente o que a outra pessoa está procurando. Sempre olhe nos olhos, por mais constrangedor que seja o momento. E bom...acho que é isso.

Com alguma sorte, no decorrer da sua vida, você vai topar com algumas pessoas especiais, e já bem velhinho, quando vc se lembrar, você vai chegar a conclusão de que qualquer uma delas podia ter sido a mulher da sua vida, mas é claro que quando você pensar isso e caminhar pra sua cama a noite, ela vai estar lá, sua "véia", a única mulher da sua vida.

Gordon "Troll" Banks

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A Assembléia das Almas Condenadas

Preto.

Pessoas pra todos os lados, debilmente mexendo seus corpos sem ritmo tentando acompanhar a batida ancestral dos tambores.

Branco.

Aqui e ali no meio da multidão, alguém se empolga e dança muito mais energicamente do que seria realmente necessário.

Preto.

Casais se beijam lascivamente no escuro, sem se importar nas coisas banais que são seus nomes ou suas identidades.

Branco.

No começo da noite, um espetáculo de cheiros doce e cítricos, misturados ao cheiro nulo da fumaça colorida que cai do teto. Ao final da noite, um festival de cheiros acres e azedos.

Preto.

Bebida por toda parte, caras e baratas, e aos que ousam se arriscar, drogas de todos os tipos, pra ajudar no transe do ritual.

Branco.

A assembléia de almas condenadas se contorce no salão cheio, porém vazio. Demônios coloridos das luzes que jorram dos canhões estratégicamente posicionados.

Preto.

Ao final de tudo, saem dali mais leves, alguns mais leves que antes. Voltam pra suas casas com a certeza de que valeu a pena sair do mundo por algumas horas. Eu? Me sinto drenado de responsabilidade por qualquer coisa no mundo, sublime e desesperador ao mesmo tempo. Quem sou? Aí vou me lembrando aos poucos e se abate o arrependimento, não por participar do ritual, mas por entende-lo...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A Dor é passageira, a Glória é eterna.

Existe esse cara que mora na minha rua. Nós éramos grandes amigos quando crianças. Talvez em grande parte porque da turma toda da rua, nós dois fossemos os únicos gordinhos. Se bem me lembro o nome dele é Leonardo.

Bom, nós éramos dois meninos diferentes um do outro, unidos na amizade por causa dos nossos traumas de gordinho. Mas existiam mais algumas coisas que nos diferenciavam. Pra começar o Leonardo tinha olhos azuis, e isso chamava muito a atenção na época, talvez porque ele fosse o único cara no quarteirão com olhos tão azuis. Já eu tinha os olhos mais pretos e ordinários que exitem por aí. Mas a grande diferença era, que o Leonardo sempre foi um pouco lerdo e eu, se é que a modéstia me permite, já tinha mais miolos na cabeça com oito anos do que a rua inteira.

A gente foi crescendo e embora a amizade tenha fraquejado um pouco, mantivemos contato. Nos escontravamos sempre na rua e parávamos pra conversar. Aí acabou surgindo a brincadeira entre nós dois, lá pelos 14 anos, de que ele era o gordinho que tinha dado certo e eu o que tinha dado errado. Isso pq numa certa altura da adolecência ele começou a emagrecer e eu comecei a engordar ainda mais.

Eu odeio sair de casa, aí logo hoje, meu aniversário, minha mãe me fez dar uma passeio pra comprar algo, acabei dando uma volta pelo bairro e na hora que estava voltando pra casa encontrei o dito Leonardo.

Ele estava muito diferente do que eu me lembrava, a gente não devia conversar a uns 5 anos, talvez mais tempo. Magro, meio forte, o rosto agora ja tinha barba, o cabelo penteado cuidadosamente e seguro com gel. Ele estava de mão dada com uma mocinha muito simpática e linda, não vou me lembrar do nome dela agora, mas bastar saber que era uma moça encantadora. Os dois formavam um casal bonito. Conversando eu soube que eles se conheceram na faculdade, engenharia. Trabalhavam os dois em grandes empresas automotivas. Planejavam se casar.

Fiquei feliz pelo meu velho amigo, desejei felicidades e pro meu espanto, ele se lembrou que era meu aniversário, quando eu não tenho a mais vaga idéia de quando possa ser o dele. O que me incomodou no entanto foi a profecia realizada... o gordinho que deu certo, e o que não deu.

O Leonardo atingiu tudo que se espera de uma pessoa com o mínimo de ambição. Estudo, trabalho, planos, uma companheira. Eu...bom. Eu não tenho nada, nem ninguém na vida, nem planejo nada disso pra um futuro próximo. O que eu atingi?

Tudo bem, eu realmente não vejo mérito algum nas coisas que ele adquiriu, mas eu olhei bem pro espelho hoje e pensei "Podia ser você. Não é, e provavelmente nunca será, mas podia.". E aí de repente eu tive que questionar tudo em que eu acredito, TUDO. E no final eu não mudei uma vírgula das coisas que eu quero pra mim. Mas agora eu acho que aceito finalmente, que eu escolhi o caminho mais difícil e que eu vou ter que batalhar o dobro do que todo mundo batalha e aguentar o dobro das merdas que todo mundo aguenta pra chegar onde eu quero.

O que importa é que no final da jornada, eu vou ter o dobro da glória.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Casal Preferido de Jack

Sexta-feira era um bom dia pra mendigar, as pessoas bebiam e se sentiam generosas. Claro que pedir dinheiro era uma estratégia fraca e sem elegância. Jack preferia o bom e velho "violão e chapéu". Ele estava de volta à cidade depois de alguns anos fora, um pouco mais velho, um pouco mais magro e muito mais sábio.

Andava pelas ruas usando um jeans frouxo e uma camisa sem botões que ficava aberta o tempo todo, expondo imensas tatuagens negras no peito e no abdomem de Jack, fumava cigarros sem marca, dados de boa ou má vontade pelos transeuntes e usava um chapéu surradíssimo na cabeça. Ainda estava descalço.

Ele subiu a rua com o violão nas costas, parou num bar sujo e pediu duas doses, bebeu a primeira sem fazer careta e jogou a segunda no chão. Sentou-se numa mesa e bebeu algumas cervejas sozinho. Aí, tão rápido quanto se sentou, levantou-se pagou e saiu cambaleando rua acima.

No alto da rua estavam os bares mais caros, limpos e bem frequentados. Na calçada deles, numa mesinha frágil de madeira, dois casais confraternizavam com variados graus de empolgação. Um dos homens estava bem bêbado e falava molemente sobre baseball profissional. O outro tinha um olhar severo, mas inflamado de álcool, discutia firmemente com o colega. As mulheres conversavam discretamente, uma moça rechonchuda com uma imensa peruca ruiva e uma mocinha mirrada, quase invisível atrás de uma jarra de cerveja.

Jack subia a rua e suava, isso o deixava com um cheiro desagradável de gente bêbada e suja, mas tirava a neblina alcoólica de seus olhos. Ele parou bem em tempo de ver os dois casais na mesa do barzinho, tentou atravessar a rua, mas um fluxo contínuo de carros o impediu. Ele continou andando de cabeça baixa, talvez a barba e as tatuagens, o violão, o chapéu e os pés descalços o escondessem.

A gorda ruiva soltou uma exclamação de espanto que sobressaltou a mocinha, as duas olharam ao mesmo tempo pro mendigo algo e magro que subia a rua.

- Jack? - A mocinha soltou num sussuro inaudível.

- JACK? - O bêbado urrou. - Onde? Ora, mas vejam só! - Ele se levantou cambaleando o corpo deformado e agarrou Jack pelos ombros. - É você mesmo cara? Não acredito!

A ruiva soltou um gritinho e olhou urgente pra mocinha, ela estava pálida e tremia um pouco, depois olhando para o rapaz de olhos severos, ela percebeu que o rosto dele estava roxo e seus lábios virados pra dentro da boca em fúria, os olhos injetados de algo entre indignação e puro medo.

- Hey. - Jack saudou todos na mesa visivelmente incomodado. - Muito tempo. - Seus olhos se demoraram uma fração de segundo a mais na mocinha magra. Olhos severos percebeu, se levantou.

- De saída? Que pena, nós nos vemos na próxima então.

- De saída? - Repetiu o bêbado. - Bobagem! Ele obviamente não está indo pra lugar nenhum, sente aqui conosco Jack! - O homem nem esperou resposta, puxou Jack pela camisa e o sentou numa cadeira colocada com habilidade na cabeceira da mesa. - Vamos tomar umas! Pelos velhos tempos!

A Ruiva olhava tudo com ar de espanto, a Moça magra tinha terror puro no rosto, Olhos Severos era só ódio e o Bêbado tinha talvez a expressão mais sincera da mesa, uma cara meio nublada pelo álcool, mas feliz.

O garçom trouxe renovadas jarras de cerveja para todos, mesmo sob os protestos de Jack que clamava não ter dinheiro (Tudo bem, eu te cubro, dizia o Bêbado.), eles ergueram as 5 jarras no ar:

- À amizade! - Urrou o Bêbado, um pouco mais alto do que o necessário.

- Aos velhos tempos. - Disse a Ruiva sem jeito.

- Aos leões do mundo, com fome o bastante para abocanharem o que querem! - Disse Olhos Severos.

- Ao amor. - Disse a Moça num tom que ela pretendia ser de desafio, mas soou como arrependimento.

- À iluminação. - Disse Jack.

Beberam goladas homéricas depois do brinde. A Moça ficou imediatamente com as bochechas vermelhas e seus olhos ficaram um pouco nublados.

O Bêbado logo começou a bombardear Jack com perguntas sobre os últimos anos, onde ele tinha estado, o que tinha feito, o que fazia agora, o que pretendia fazer, o que significavam suas tatuagens, onde aprendera a tocar violão. O monge-mendigo respondia tudo no melho dos humores, falava alegremente sobre seus anos de monastério e todos os lugares que visitara ao redor do mundo. A Ruiva e a Moça tinham olhares visivelmente admirados e mais de uma vez o Bêbado fez graça da Ruiva olhando pra dentro da camisa de Jack para ver melhor as imensas tatuagens. Olhos Severos no entanto não parecia nem um pouco contente com o reencontro e encarava Jack o tempo todo, fazia cara de desagrado quando ouvia sobre os lugares exóticos que ele visitou e fazia comentários maldosos sobre os anos dele no monastério.

A uma certa altura o Bêbado cochilou com a cabeça sobre os braços e um silêncio mortal se abateu sobre a mesa, os quatro eram pura tensão. A Ruiva educadamente fez algumas perguntas pra Jack que as respondeu como pode. Mas, mais uma vez, silêncio. Eles se encaravam e bebericavam suas jarras de cerveja como se alguém fosse puxar uma arma a qualquer minuto e começar a atirar. Olhos Severos fez as honras.

- Então Jack. Ouvi dizer que você se mandou quando seu namorado morreu. Aquele gordo, Bernie ou Chuck.

- Charlie. - Disse a Moça com sua voz mínima.

- Que seja. É verdade? - Olhos Severos abraçou os ombros magros da Moça com suas mãos duras, até mesmo seus dedos pareciam ser recheados de ódio e coisas ruins.

- Na verdade. - Jack sorriu. - A morte de Charlie foi só uma parte da equação. A Bia aqui ter me dado o fora e ter me trocado por um lutador babaca como você foi o que completou o cálculo.

A Ruiva soltou um gritinho e sua peruca entortou na cabeça, o Bêbado continuava cochilando, Bia, a Moça magrinha e quase invisível, ficou pálida e seus imensos olhos castanhos se encheram de lágrimas. Olhos Severos parecia que ia matar Jack só com o olhar, seu rosto estava completamente vermelho e ele se levantou de súbito, derrubando sua jarra de cerveja sobre a própria calça. Bia pateticamente começou a limpar a calça com guardanapos.

- Como é que você se atreve? - Ele silvou e perdigotos saltavam como flechas envenenadas.

- Relaxa aí cara, como é que é seu nome mesmo? Ah, não importa. - Jack se levantou sorrindo e virou sua jarra de cerveja até o final. - Pode parecer que não, mas você e a Bia são meu casal preferido no mundo todo.

A Ruiva olhava agora pra Jack aterrorizada, ela tremia e tentava acordar o Bêbado.

Bia fitou Jack e por um momento ele se lembrou de tudo que um dia ele já havia dito pra ela, tudo que tinha feito por ela, sua devoção cega por ela, das tardes frias sobre um cobertor vendo um filme qualquer, aqueles lindos olhos castanhos, tão cheios de mentiras, tão cheios de coisas fúteis e vazias, tão cheios de coisas que Jack nunca ia aceitar que estavam lá.

- Falo sério. - Jack continuou. - São meu casal preferido no mundo todo pela simples razão que de uma tacada só eu consegui remover duas pessoas horríveis da minha vida. Vocês me livraram de dor e sofrimento pelos quais eu nunca mereci passar. E o melhor de tudo, vendo vocês dois aqui, bebendo cerveja com o casal maravilha aqui ao lado. - Ele fez um gesto com o dedão apontando a Ruiva e o Bêbado. - Só me mostra o quanto vocês são vazios e...felizes. Eu sou muito grato por isso, por saber que onde quer que eu esteja, mesmo pobre e sem sapatos, eu ainda sou uma pessoa melhor do que qualquer um de vocês dois jamais serão. A única pessoa levemente digna nessa mesa é o Bêbado, porque ao menos ele é sincero e engraçado.

Um silêncio sólido caiu sobre os quatro, o Bêbado roncou sonoramente.

Jack sorriu mais uma vez, aquele sorriso simples e cheio de significados complexos que ele aprendera no monastério. Pegou seu violão e dedilhou uma canção conhecida, da época em que eles todos estavam no colégio, a canção de Jack e Bia. Quando terminou ele lançou o violão de volta pro ombro e tirou seu chapéu, quase em camera lenta ele o estendeu até Olhos Severos.

- Um trocado? Pra comprar uma dose sabe? Noites frias.

Olhos Severos poderia ter explodido em chamas ali naquele exato instante e teria sido compreensível. Ele enfiou com raiva a mão no bolso e sacou a carteira, jogou uma nota de 50 no chapéu.

- Muito agradecido. - Jack disse simples e deixou a mesa caminhando novamente pra calçada e então rua acima, cambaleava um pouco, seus pés descalços não faziam barulho na calçada.

Na mesa, ainda silêncio, então Bia saiu correndo atrás de Jack.

- Jack espera! - Ela o alcançou e o segurou pelo pescoço puxando sua cabeça.

- Hey! Hey! Pare com isso Bia, você é uma moça casada. - Jack disse mau-humorado. - Você ainda tem aquilo que te dei na noite da formatura?

- Sim! Ainda tenho, está guardado em meu quarto, nunca consegui me desfazer daquilo.

- E é por isso que nós não vamos ficar juntos. Você esteve em dúvida quanto a ele esses anos todos, guardando meu presente numa caixa como se eu fosse alguma espécia de saída de emergência. - Jack a fitou com profundidade. - Espero que você não jogue fora, aquilo é tudo que vai ter de mim pro resto da sua vida.

Bia chorou em silêncio, seus olhos inflamados de álcool e angústia. Olhos Severos os alcançou e a abraçou pelos ombros.

- Saia daqui Jack, você já fez estrago o bastante por uma noite.

Jack se virou e caminhou rua acima, com o violão jogado nos ombros, a camisa aberta, o chapéu surrado e os pés descalços.

sábado, 28 de novembro de 2009

Jack e a Grande Fuga

Ele abriu os olhos e não reconheceu aquele teto cinzento, o lustre também lhe era estranho. Levantou a cabeça e olhou em volta, mas então sentiu uma dor aguda atrás dos olhos, a ressaca veio lhe dar bom dia antes de todo o resto.

A boca estava seca por dentro, com um gosto abissal. Os lábios rachados e duros. Os olhos ardiam incomodados com a primeira luz do dia que entrava pela janela. Na cama, cinco corpos que não eram o dele. Um cara magro e ruivo, ruivo natural, e mais quatro garotas, todos nus, dormindo como anjos decadentes. Deitada sobre as pernas dele estava uma garota, e olhando pra bunda dela ele reconheceu a marquinha em forma de cavalo marinho. Era Heather, Jack lembrou-se com um pouco de amargura, ela tinha sido a garota mais gostosa do colégio a tantos anos atrás, agora participava de orgias em troca de drogas. "Destino" ele riu amargurado.

Jack se arrastou pra fora da cama e ficou em pé, nu, olhando pela janela. Sentiu-se engraçado. Caçou um par de calças qualquer no chão e vestiu um jeans rasgado e imenso. Foi pra cozinha e encontrou jogado no chão um cara gordo, provavelmente o dono do jeans. Tinha um cachimbo caído perto da boca, Jack o apanhou e cheirou, algo entre o insanamente ilegal e o adoravelmente new age. Acendeu o cachimbo.

Ele vagou pelos comodos da casa fumando o cachimbo, sem camisa, tinha mais gente na casa, mas todos dormiam, ou os únicos sobreviventes da noite estavam altos demais pra conseguir fazer qualquer coisa que não fosse encarar as paredes sonolentamente.

Um frigobar se aquilibrava perigosamente no canto da grade negra da varanda sobre a piscina, Jack o abriu e encontrou uma cerveja gelada, abriu a garrafa e sentou-se num cadeirão de praia. Ao longe, por detrás dos pinheiros, vinha nascendo o sol. Era magnífico, um espetáculo em camera lenta, quanto centímetro a centímetro o gigante Astro-Rei escalava mais e mais o céu. O cachimbo estralou na boca de Jack, "restos de crack" ele pensou.

Da porta atrás dele surgiu um rapaz baixinho de cara amarrotada, cabelo preto e uma camiseta branca do Led Zeppelin.

- 'Dia. - Ele disse pra Jack.
- 'Dia.
- Bela festa hein?
- Tinha ouvido dizer que era isso que você andava fazendo depois que eu fui embora. Tive que conferir.
- Charlie teria curtido.
- Não, ele não teria.
- ...você ta zangado?

Jack se levantou e deu um último trago no cachimbo, depois arremessou-o na piscina. Deu um gole na cerveja e empurrou a garrafa contra o rapaz que a segurou com cara de desconfiança.

- Sabe Kevin, eu queria mais que isso pra gente. Mas aparentemente o legado que o Charlie deixou pra mim, ele não deixou pra você. E se deixou, você não entendeu bem o que queria dizer. É como jogar pérolas aos porcos...
- Isso é um insulto?
- Nah, os porcos não são tão sensíveis assim...

Jack empurrou o frigobar que caiu com um barulho enorme na piscina acordando alguns habitantes da casa. Ele seguiu pro quarto e pegou uma camiseta e uma jaqueta, vestiu-as e saiu.

Já longe dali, caminhando descalço pela rua, já que tinha esquecido de pegar sapatos, Jack pensava no rumo que a vida dele estava tomando. Todas as drogas, as festas, as pessoas vazias. E todos aqueles anos no monastério, o que haviam lhe ensinado? As pessoas interessantes que ele conheceu e as situações insólitas. Tudo aquilo pra quê se Charlie ainda estava morto?

"Talvez", ele pensou, "não tenha nada a ver com as festas, nem com as drogas, nem com a viagem pelo mundo e com as pessoas interessantes. Talvez tudo isso só tenha a ver com a fuga. A fuga que nós procuramos do mundo. As maneiras maravilhosas como nós tentamos nos isolar, nos afastar um dos outros, mesmo que em bando." Jack parou perto de uma torre, ali, alguns anos atrás, seu melhor amigo Charlie tinha se atirado e morrido. "Da ilusão da vida, sobram só nossas fugas." ele concluiu.

Jack caminhou mais leve em direção ao norte, ia sumir por uns tempos, haviam muitas fugas a serem experimentadas.

Gordon "Troll" Banks

domingo, 22 de novembro de 2009

Sobre uma vida plena pra você e uma outra pra mim...

Às vezes eu fico irritado, às vezes eu fico triste, mas no geral, esse papo de vida plena me deixa mesmo é meio confuso. Vamos lá...

Levei uns dedos no peito nesses últimos meses, muita gente querendo gerenciar minha vida da nisso sabe? Eu entendo a boa intenção e agradeço, mas vou pedir aqui gentilmente pra PARAREM DE ENCHER MEU SACO. Não é pra ninguém em especial que to dizendo isso, é mais um desabafo pra mim mesmo do que qualquer coisa. Eu sei que tem gente que vai se ofender, mas eu preciso fazer pé firme nessa hora.

O que raios quer dizer uma vida plena? Tava lendo um e-mail de um suposto "jornalista" metendo o pau nessa geração (leia-se a MINHA geração, galera de 84 pra cá), falando que somos todos cabeças-ocas que punhetam o dia inteiro no orkut e no twitter e todo aquele bla, bla, bla de gente velha que acha que tem o pau maior que o nosso só pq eles tiveram a merda da ditadura pra derrubar.

Então tá, eu me ofendi com essa história de cabeça-oca punheteiro. Fato é, eu fico na internet 90% do meu tempo, eu não trabalho, não estudo, fico na internet oras... e aí o que me deixou com a pulga atrás da orelha é: Será então que eu devo ficar escrevendo e-mails metendo o pau na próxima geração pra ter uma vida plena? Ou ir pra um cubículo escrever lixo sensacionalista todo dia, matérias sobre a sexta-feira 13 e a mulher no interior de "sei lá onde" que está grávida de 9 "filhotes"?

Ter uma vida plena é essencialmente viver como todo mundo quer que você viva a SUA vida? Como seus pais esperam que você viva a vida?

"Ah, mas vc não pode negar que você tem que trabalhar pra pagar suas contas, uma hora você vai ter que abrir as pernas." Talvez eu tenha, talvez não, a questão não é essa, pelo menos não pra mim. A questão é a validade desse sistema todo de coisas. Essa sequência absurda de eventos que se repetem praticamente iguais pra todos os 6 bilhões (já quase 6,5 pelo que ouvi) de pessoas nessa porra de planeta. E aí, a vida é só isso? A gente não tem como pegar a vida e fazer dela algo diferente?

"Então vai a luta, vai ganhar seu dinheiro pra fazer alguma coisa!" Espera aí um pouquinho meu querido, e quem te disse que eu preciso ir pra qualquer lugar pra fazer da minha vida o que eu quero?

As pessoas se prendem, ou talvez só se deixem prender, em todos esses conceitos de certo e errado, realidade e sonho e aí qualquer um disposto a explorar algo fora do habitual é logo taxado de maluco, de vagabundo, de cuca-fresca. Eu já vasculhei galáxias inteiras sentado na frente do meu computador. Um ponto sensível esse, muita gente vai dizer "Você não pode simplesmente trocar a vida de verdade pela sua própria imaginação." Bom, eu vou ser um pouco ousado e dizer: E porque caralhos voadores não?

Afinal o que é a tal realidade? Quem é que escreveu o livro onde tá escrito que tal coisa é real, tal coisa não é real e que só se pode viver no mundo "de verdadinha"? Não se assustem, eu não to pensando em me trancar no quarto e imaginar uma vida pra mim, não é isso, mas incomoda as pessoas à minha volta que eu goste tanto de passar mais tempo do lado de lá do que do lado de cá. Se eu puder ser bem egocêntrico e amalucado nesse ponto, eu diria que é inveja, porque vocês não conseguem chegar nos lugares aos quais eu vou.

Mas voltando ao começo da conversa, e a tal da vida plena? É você quem vai meter o dedo no meu peito e me dizer que eu estou desperdiçando meu tempo? Você vai ser arrogante a ponto de tentar escrutinar a minha função na existência? Sem pensar em tudo que está lá fora, ainda desconhecido e escondido nas dobras do tempo e do espaço? Será que nunca te passou pela cabeça nem por um segundo que eu posso saber o que eu estou fazendo? Que talvez eu tenha alguma carta na manga, uma tão maluca e improvável que eu prefiro deixar em segredo até a hora do Royal Flush cósmico final?

"Mais louco impossível" eu quase posso te ouvir dizer, meu caro leitor, enquanto lê esse texto, mas olha, se pra você está bom a vida do seu jeito, só me faça esse favor e respeite a vida que eu levo do MEU jeito. O final do jogo está perto demais pra querer mudar de estratégia agora.

E agora, falando muito sério, o primeiro que me mandar procurar ajuda psiquiátrica vai ser mandado pra pqp sumariamente.

Gordon "Troll" Banks

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Confesso que... (My Identity Crisis)

Confesso que eu amo todo mundo, mesmo quem não merece e mesmo quem eu não conheço, e mesmo quem acha que eu não amo...sim é pra vc mesmo, eu te amo tb, fica assim não. Eu amo que me gostem tanto, amo que me desprezem e que sintam pena de mim, amo que me ignorem e me rejeitem, amo que me mandem sms de vez em quando, amo que me vejam como um herói, amo que me vejam como um vilão, amo que me mander se foder quando eu falo merda, amo que me irritem com um bom dia, amo que me considerem um irmão, amo que bebam comigo, amo que fumem comigo, amo que me perguntem o que foi mesmo quando eu digo que não é nada. Amo demais, tudo isso, a vida, a merda toda na vida, a merda toda na qual nós estamos todos juntos...

Amor demais né? Chega a ser estranho que eu me sinta mal se eu tenho tanto amor assim pra dar, mas acho que o lance é esse. Vida confusa.

Eu acabei de ressurgir das cinzas como uma maldita ave Fênix, mais forte, mais inteligente, mais feroz, mais capaz, mais belo, mais rancoroso. O mundo ainda me parece imenso e inóspito, mas de alguma forma eu me sinto maior que o mundo, como se ele é que lamentasse me ter por perto.

Não me deram escolha nenhuma...eu disse: "Se for assim, eu vou ser mau.", mas ninguém ligou...me permitiram virar essa coisa feliz e vingativa e sem escrúpulos. Eu acredito em karma, o problema é quando eu deixo de pensar que eu estou recebendo o que o universo me deve e começo a achar que eu estou tomando as coisas dos outros. Nesse caso, meu karma me espera ali na esquina.

Acabou a pena que eu sentia de mim, mas surgiram tantas coisas novas no lugar. Levei minha amoralidade aos limites do cinismo. Me tornei a serpente que uns diziam que eu era desde o começo, e me peguei admirado com o brilho das minhas escamas, com a minha velocidade. E como se já não fosse terrível o suficiente me transformar na epítome de tudo que eu sempre odiei, Deus me deu um maravilhoso par de asas com plumas vermelhas, como se dissesse "Vai lá garoto, toca o puteiro!"

Agora eu não tenho mais pena, nem sou inseguro e nem vou implorar nunca mais pelo amor de alguém que tão obviamente não me merece, mas tem sido difícil aguentar o gosto de sangue na boca, das pessoas que eu tenho machucado sem nem perceberem. Eu não me vejo mais como um coitado, mas me vejo como um demônio, um devorador de gente, mas puxa vida, minhas escamas são tão brilhantes que eu não sei se eu quero mesmo ser alguma coisa além disso. Talvez no futuro. Talvez na próxima jogada, quando refizerem minha ficha.

Gordon Banks


[Muito tempo sem postar, a verdade é que eu não tenho a mínima idéia de como continuar a história, mas não se desesperem, eu pretendo continuar e concluir "O Inferno de Gordon"]

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Inferno de Gordon, parte II: Tornado, Rei-Coragem.

Beggar, que conhecia melhor o caminho, caminhava na frente seguido de perto por Gordon. A toca de Ananasi já estava longe e a floresta se extendia na frente deles sem sinal de ter fim.

- Ainda falta muito? - Gordon perguntou entediado.

- Distância, tempo, nada disso realmente significa alguma coisa no Vórtex. Falta o que nos será necessário pra alcançar o castelo. - Beggar respondeu.

- Mas isso é muito?

Beggar respondeu com um grunhido mal-humorado e continuou andando, Gordon sorriu maroto.

Os dois caminharam por mais algum tempo, a tarde ensolarada os revigorava e o ar na floresta era fresco e puro. Pássaros cantavam as mais absurdas combinações de notas naquela floresta e Gordon se pegou prestando atenção nas canções caóticas de um pássaro que parecia gorjear Fear of the Dark. Foi quando, pelo canto dos olhos, o jovem viu uma sombra se esgueirando.

- Beggar, tem algo ali. - Disse aprontando para um amontoado de arbustos.

O monge se virou com punhos cerrados encarando a moita.

- Saia daí. - Ordenou.

Dos arbustos saiu um urso imenso com olhos muito negros. Ele não olhava para Beggar, tinha o olhar fixo em Gordon. Começou a falar e sua voz era muito grave e terrível.

- Eu sou Desespero. Recebi ordens de acompanha-lo Convicto, pois de agora em diante a sua jornada vai ser cada vez mais desesperadora. - Ele forçou um rosnado que lembrou uma risada. - Se no final do caminho você não tiver superado tudo e se convencido de que a loucura não vai tomar controle do Vórtex, eu vou devora-lo.

Gordon fitava o urso com uma nota de surpresa, mas fechou os olhos e respirou fundo. Quando se dirigiu ao monstro, sua voz era calma e confiante:

- Pode vir conosco, desde que essa sua bunda gorda não atrase a gente.

O urso urrou de fúria e se levantou sobre as patas traseiras, ergueu a imensa pata esquerda e preparou as garras para um golpe que seria letal.

- Pare Desespero. - Veio uma voz calma de cima da copa de uma árvore. Sentado num galho estava Tornado, o elfo azul. - Não foi isso que lhe mandaram fazer.

O urso voltou seus olhos vazios para o elfo, sem resposta. Depois olhou para Gordon e novamente se colocou sobre as quatro patas resignado.

- Estávamos te procurando Tornado. - Disse Beggar.

- Sim eu sei. Nada que acontece nessa floresta me passa desapercebido. Vou guia-los até meu castelo. - Saltou para o chão. - Mas você não vai poder entrar. - Disse encarando o Urso.

Foram os quatro por uma pequena trilha que não seria notada por alguém inexperiente. Subiram uma colina onde a floresta ficava calva de árvores e ao longe Gordon pode ver uma árvore colossal. Observando melhor, ele reparou que na árvore haviam minúsculas janelas e sacadas em vários pontos. Olhou impressionado para o elfo:

- Aquilo é o seu castelo?

Tornado apenas sorriu e continuou caminhando na direção da árvore.

O "castelo" ficava cada vez mais impressionante a medida que se aproximavam. A copa da árvore gigante fazia sombra a 400 metros do tronco, esse que devia ter mais de 100 metros de diâmetro. Nas janelas e portas, escadarias e sacadas, Gordon via pequenos trabalhadores a serviço do castelo, eram coelhos, esquilos, castores, marmotas e alguns ratinhos do campo, que limpavam as paredes com esmero e roíam as farpas da madeira.

Chegaram então na entrada principal, uma porta de 3 metros de altura, escavada no tronco. Desespero recuou e foi deitar-se no gramado debaixo de uma janela próxima às raízes, enquanto os outros 3 entraram.

- Muito cuidado com ele Gordon. - Disse Tornado. - Ele vai devora-lo se tiver a chance. Você não pode se render à dúvida, seja convicção assim como sempre foi. Não deixe de ter esperança. E acima de tudo, seja corajoso.

Gordon não soube bem como responder, apenas acenou com a cabeça positivamente e continuou seguindo o rei daquele castelo bizarro.

Ao longo das paredes ficavam lampiões de vidro fosco, Gordon teve a impressão de ver o fogo se movendo lá dentro, como uma coisa viva, aproximou o rosto e pode ver os homenzinhos vermelhos todos presos nos lampiões. A luz de seus corpos iluminava o castelo. Continuaram seguindo em frente e aqui e ali Gordon via os servos do castelo, roedores simpáticos que acenavam e sorriam com cumprimentos cordiais.

Chegaram então numa porta ainda maior que a porta da entrada, onde duas raposas estavam de guarda e fizeram reverência ao rei quando ele passou por elas. O salão por trás da porta era imenso e bem decorado, no fundo havia um trono muito tosco de madeira, mais parecia uma árvore morta, mas Tornado se sentou nele com a altivez de um monarca e o trono pareceu ganhar sua altivez.

- Coragem. - O elfo começou. - Muitos pensam que saber esconder o medo é sinal de coragem, estão errados. Outros pensam que coragem é ser temerário e se atirar contra adversários que não se pode vencer, mas também estão errados. A coragem na verdade... - Tornado fitou Gordon com um olhar curioso. - O que é coragem?

- Coragem é a capacidade de enfrentar obstáculos. - Gordon respondeu.

- Sim, acho que também se encaixa. - O rei coçou o queixo imberbe. - Coragem é a ausência do medo. - Ele disse organizando o raciocínio. - Não me olhe assim, eu sei que parece óbvio demais, mas pense a respeito. Coragem é não ter medo de mostrar quem você realmente é. Coragem é não ter medo de expor suas idéias e ideais. Coragem é acreditar em si mesmo. Acreditar. Em muitos aspectos, coragem se parece com convicção.

Beggar apenas observava o diálogo com um pequeno sorriso no rosto.

- Entendo. - Disse Gordon. - Devo ter a coragem de enfrentar essa jornada, seguir em frente sem medo. Não me entregar ao desespero, confiar no meu instinto.

Sem aviso, uma fadinha azul saiu do meio dos cabelos revoltos de Tornado e foi sentar-se no ombro de Gordon.

- Elas voltaram, as fadas azuis. - O rapaz disse com um sorriso.

- Minhas crias. - Disse Tornado. - Elas são a Inspiração. Se você pensar bem, inspiração também é uma espécie de coragem.

Conversaram por mais algumas horas na sala do trono e então escureceu novamente. Tornado convidou os visitantes para um banquete e deixou que Desespero entrasse no castelo para comer. No meio da noite, já descansados e cientes de que a noite podia durar anos, resolveram partir sem esperar o amanhecer.

- Sigam para o Norte Beggar, Londres é a próxima cidade. - O elfo azul disse com certo desprezo.

- Entendo. - Beggar respondeu.

Partiram, na entrada do castelo estava Tornado e todos os seus servos, acenando e gritando adeus e boa sorte. Aos poucos sumiram na mata o monge, o jovem, o urso e um enxame de pequenas fadinhas azuis.

Enquanto caminhavam, Gordon se voltou para Beggar:

- O que tem em Londres?

Mas antes que Beggar pudesse responder, a voz gutural de Desespero soou sinistramente:

- Um assassino.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte III: Slayer, Plebeu-Medo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Inferno de Gordon, parte I: Ananasi, a Acromântula do Destino.

Caminharam pra dentro do Templo de Ouro, o velho monge e o rapaz. Não havia ninguém no hall principal.

- Ninguém em casa. - Gordon disse. - Pelo jeito ela também tem afazeres.

- Ananasi não mora aqui. Ela mora nas profundezas do templo. - Disse o velho magro caminhando na direção de uma passagem escura que Gordon reconheceu como sendo o lugar do qual saíra o Cavaleiro Solitário no dia da batalha.

O rapaz não se animou de ter que entrar naquele corredor que ele nem mesmo sabia pra onde levava, mas acompanhou seu guia escuridão adentro. Os dois caminharam os primeiros metros com tranquilidade, mas logo a luz foi diminuindo drásticamente, até ficar quase impossível enxergar qualquer coisa. Gordon sentia finas teias de aranha se agarrando às suas temporas e afastou-as com as mãos, não conseguia ver se Beggar estava tendo o mesmo problema. Quanto mais seguiam, mais úmido e pesado parecia o ar, e estava ficando claro que o corredor descia, mesmo que levemente. Durante alguns minutos a luz desapareceu completamente, não se via nada no túnel, mas então começou novamente a clarear e o jovem pode ver no final do corredor a luz pálida do dia.

Saíram do túnel no fundo de um poço imenso com cerca de 40 metros de diâmetro. No chão estavam espalhados ossos de vários tamanhos, muitos deles de aparência humana, mas fragmentados demais para se ter certeza. O poço subia vertical e sua saída estava em algum lugar entre 100 e 200 metros de altura do fundo. Entre as paredes, pra quase todos os lugares que se olhava, grossas teias de aranha, grossas como cabos de aço cruzavam o diâmetro do poço em todas as direções. No lado oposto ao da saída do túnel havia uma escada que subia pela parede do poço em espiral.

- Ela nunca está aqui no fundo, vamos ter que subir e encontra-la. - Beggar disse experiente. - Tome cuidado pra não tocar em nada que nos faça ser mortos.

- Mortos?

- Essas teias não são meras teias de aranha comum. São as teias de Ananasi, a acromântula do destino. Essas teias são as ligações do nosso corpo físico com as energias místicas do universo que regem o destino e os acontecimentos.

Gordon fitava Beggar com um olhar confuso. O monge-mendigo continuou:

- Cada fio que você está vendo é relacionado diretamente e algum acontecimento da sua vida. Pegar um ônibus. Escovar os dentes. Conhecer alguém. Conversar com alguém. Se um fio se partir, você vai perder não só todas as lembranças daquilo, mas também todos os desdobramentos. Por exemplo, se você estourasse o fio que representa seu pai, você ia se esquecer completamente dele, mas todos os fios relacionados a ele também iam desaparecer e você ia começar a perder memórias aleatórias que resultariam das ações dele na sua vida.

- Cara isso é muito complexo. - Gordon disse finalmente. - Não sei bem se entendi tudo, mas vou tentar não tocar em nada.

Beggar abriu a boca pra dizer algo, mas desistiu, realmente era um assunto complexo. Começou a subir a escada em espiral e o rapaz foi logo atrás. A escada era estreita, tinha no máximo 1m de largura. No começo não incomodava, mas logo começou a ficar bem alto e Gordon olhava pra baixo inseguro. Quando estava a 10m do chão apareceram as primeiras teias no caminho, estavam grudadas na parede diretamente no lugar onde eles precisavam passar. Beggar parou e tentou pensar num jeito de passar sem perturbar os fios cósmicos.

Enquanto o velho pensava, Gordon olhava para os fios e viu um brilho azulado em um deles, o que estava mais baixo. Não era claro, mas de alguma forma o rapaz começou a entender do que se tratava aquele fio, o que ele era e representava.

- Quebre esse aqui Beggar.

- Não podemos, não sabemos o que vai acontecer.

- É uma lembrança sobre um corte de cabelo ruim quando eu tinha quatro anos, sem maiores consequências. Pode quebrar.

- E como você sabe disso?

Os olhos de Gordon ficaram amarelos.

- Os olhos da besta. Mas é claro! - O monge disse com entendimento. - Os olhos que Everton implantou em você eram os olhos que Ananasi perdeu durante a batalha do templo! Isso nos dá uma vantagem aqui, você deve ir na frente Convicto.

Gordon passou a ir na frente quebrando aqui e ali algum fio de uma memória ou acontecimento desimportante e sem consequências. Conforme subiam, a quantidade de teias aumentava e com os olhos amarelos o rapaz enxergava os brilhos azuis de fios finos e desimportantes, os verdes que eram as consequências de certos acontecimentos e os grossos fios vermelhos que ele logo entendeu, eram os fios que jamais poderia ser cortados sem consequências terríveis. Continuaram subindo, mais e mais, já devia estar a 80 ou 90 metros do chão, uma queda seria fatal agora. Nada ainda da acromântula. Gordon percebeu que a quantidade de fios vermelho aumentava cada vez mais, prosseguir estava se tornando cada vez mais difícil.

Num certo momento não havia como prosseguir, estava cercados por todos os lados por fios vermelhos. Eles formavam uma teia densa no meio do poço.

- Acho que podemos prosseguir por aqui. - Disse Gordon pulando no meio da teia que balançou perigosamente, mas não se partiu.

Beggar o seguiu sem muita certeza e os dois começaram a escalar as teias, o emaranhado balançando e rangendo, mas nenhum único fio se partiu. Subiam no meio dos fios brancos e macios e não viam nada em direção alguma.

- E quando a encontrarmos? O que faremos? - Gordon perguntou.

- Ainda não sei.

Finalmente escalaram até um lugar em que os fios formavam um chão. Dessa teia apenas alguns fios partiam pra cima, cerca de 40 deles, todos com o brilho avermelhado. No fundo um fio chamou a atenção de Gordon. Era muito mais grosso que todos os outros e tinha um brilho dourado. O jovem caminhou até ele, Beggar ia ao seu lado muito atento olhando pra cima e para as paredes altas, ainda faltavam uns 30 metros pra chegarem no topo do poço. A mão do rapaz estava quase tocando o fio quando eles ouviram um rugido familiar, só podia ser Ananasi.

A aranha imensa, do tamanho de um ônibus, veio descendo por um fio que ela produzia de seu abdômen. Seus nove olhos de tigre estavam injetados e suas presas soltavam gotas grossas de um líquido verde, o veneno corrosivo da besta.

- Não toque! - Ela urrou enquanto suas oito pernas atingiam finalmente o chão de teias onde estavam.

- Nós estamos aqui pra evitar uma catástrofe. - Beggar tomou a frente.

- Eu saber. - O monstro sussurrou. - Eu estar protegida aqui. Loucura não alcançar tão fundo. Instinto permanece.

- Ananasi representa nosso instinto Gordon. É ela quem lhe fornece a empatia que você tem, é por causa dela que você tem uma boa percepção e julga bem o caráter das pessoas.

- O que é aquele fio dourado? - Gordon deu pouca atenção às palavras do monge.

- Você saber. - A aranha caminhou e a teia balançava a cada passo. - Destino dourado. Destino que Ananasi não pode mudar.

- Ela pode mudar qualquer coisa aqui, menos esse fio dourado. - Gordon disse pra si mesmo. - Você sabe qual fio eu procuro Ananasi, o fio de quem eu procuro, se eu parti-lo, se nós nunca a tivermos conhecido, tudo vai ficar bem.

Os olhos de tigre encaravam Gordon, agora um pouco menos vidrados, como se a aranha adquirisse uma consciência por um momento.

- O fio que você procura é o fio dourado.

Beggar apenas assistia. Ananasi recuou. Gordon caiu de joelhos, seu rosto era pura angústia. Ele não podia mudar nada. Podia apagar sua vida toda se quizesse, podia tacar fogo naquele poço e a única coisa que ia sobrar seria aquela única lembrança indestrutível.

- Vamos embora Beggar, estamos perdendo tempo aqui. O único fio que poderia nos salvar da loucura é o único que não pode ser destruído, é o causador da loucura.

Beggar nada disse, caminhou até Ananasi e montou na aranha. Ela foi até Gordon e deu a entender que ele devia repetir o gesto. Com os dois montados em seu lombo a aranha escalou com agilidade os últimos 30 metros do poço. Foram deixado do lado de fora do poço, numa pequena floresta de aparência alegre.

- Onde estamos? - Gordon perguntou.

- Em terras amigas. O palácio de Tornado fica nessa floresta. Acho que deve ser nossa próxima parada ou Ananasi não teria nos deixado aqui.

Enquanto falavam a acromântula se enfiou de volta em seu buraco silenciosamente.

- Vamos andando por aqui. - Beggar convidou.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte II: Tornado, Rei-Coragem.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

De volta ao Vórtex, parte II

De volta ao Vórtex, parte I

Gordon acordou no chão, vomitando. De sua boca saíam os pedaços do homenzinho que ele havia engolido, agora morto e despedaçado no chão.

- Não se preocupe, ele regenera. Você vai descobrir que tem muita coisa difícil de morrer aqui dentro da nossa cabeça. - Disse Beggar, o velho mulanbento e magro que observava o jovem se levantar.

- Isso foi uma alucinação? - Gordon perguntou pressuroso.

- Não, não foi. Era uma lembrança. A Batalha do Templo de Ouro. Tinha sido até então o maior acontecimento do Vórtex. Nossa mente nunca tinha sido tão abalada. Até agora.

Gordon olhava para Beggar com compreensão no olhar. A idéia de que algo horrível estava acontecendo.

- Exatamente. - Beggar confirmou.

- Terrível. Terrível. O que aconteceu? Outra batalha? - Gordon parecia tentar juntar pedaços de sua mente, pensava com uma expressão de terror no rosto.

- Pior. - Beggar concluiu sinistro. - Muito pior eu diria. Não existe mais Amor no Vórtex desde a batalha, Solidão foi banido e vaga por terras longuínquas, meio vivo e meio morto depois de receber o Omega Slash. Lá fora, tudo se desenrola no sentido de abalar nossa mente, você entende que estamos caminhando rumo a perdição? Você é o único capaz de fazer algo Convicto.

- O que eu devo fazer? - Gordon fitava Beggar.

- Você tem que se convencer de que não vai ficar louco...

As palavras do monge-mendigo flutuaram no ar por alguns instantes, enigmáticas e agourentas. Gordon olhava para o velho sem saber o que dizer, o velho retribuía um olhar preocupado e sincero.

- COMO eu vou fazer isso? - O jovem perguntou com uma nota de terror na voz.

- Vamos caminhar um pouco. - Beggar disse levantando-se.

Gordon ainda não tinha reparado, mas a floresta negra havia desaparecido, estavam agora num campo de grama azulada, e já não era mais noite, brilhava um sol intenso, era um lindo dia. Os dois caminharam por uma pequena trilha entre as colinas azuis por alguns minutos. O tempo no Vórtex era volátil e efêmero, assim como o clima. Logo se aproximaram de uma construção familiar, Gordon reconheceu o Templo de Ouro no centro de uma colina.

- Eles estão lá? Os outros? - Banks perguntou.

- Não, estão em seus domínios evitando que tudo desabe. Só um deles vive aqui no templo.

- Quem? Razão?

- Não. Nossa grande e cabeluda amiga Ananasi.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte I: Ananasi, a Acromântula do Destino.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte final: 10 pessoas no templo de ouro.

[Bom, finalmente termina essa parte das Crônicas do Vórtex, agradeço a todos que leram e só pra lembrar, a verdadeira batalha do Templo de Ouro aconteceu há 3 anos atrás que foi quando eu escrevi esse texto e postei em 8 partes no meu antigo fotolog. Quem quiser conhecer o texto original e ver um pequeno extra que conta o destino do Cavaleiro Solitário, por favor clique aqui. Foi bem legal reler e reescrever algumas partes da coisa toda e por uma grande coincidência eu passei pela mesma situação de 3 anos atrás justamente enquanto postava novamente esse texto, timing perfeito. Após o final dessa saga eu começo a escrever uma outra apresentando alguns personagens que não aparecem na saga original. Novamente agradeço a quem teve saco de ler, se gostaram, façam propaganda ;)]

Parte I: O Prisioneiro.
Parte II: Medo.
Parte III: Batalha em nome do Amor.
Parte IV: Dedos quebrados e lábios partidos.
Parte V: First Blood.
Parte VI: Colisão.
Parte VII: Todos contra o Amor.


07/12/05


O Cavaleiro Solitário e Gordon se encontraram no meio do templo, os punhos erguidos, um soco de cada lado. Banks foi arremessado contra a parede, bateu com um baque surdo e caiu no chão, aparentemente inconsciente.

- Eu sinceramente achei que você ia aguentar mais do que um soco. - O Cavaleiro disse com ar decepcionado, se virou de costas e foi andando para o túnel de onde viera, a batalha estava vencida.

- Eu aguento bem mais que um soco. – O jovem abriu os olhos, tentava se sentar no chão, o Cavaleiro se virou para ele com ar surpreso.

- Bom, parece que eu tenho mais alguns minutos pra me divertir então. - Caminhou na direção do jovem que antes caído, agora estava sentado no chão.

O que se seguiu foi uma sessão de espancamento, Gordon era arremessado contra todas as paredes, contra o teto, contra o chão, levava socos e chutes, cabeçadas. O Cavaleiro jogou o adversário contra o corpo gigante de Ananasi, o jovem caiu e ficou ali, de rosto pro chão.

- Bom, acho que isso dá um fim nas suas convicções. - O Cavaleiro zombou.

- Na verdade... - Gordon se levantou com extrema dificuldade - Ainda não. Se você ainda não percebeu, eu NUNCA vou cair.

- Você se superestima Gordon, você sabe do que eu sou capaz.

- Eu não tenho ambição de derrota-lo Cavaleiro, mas é só que... esse é meu “poder”... eu nunca vou ser derrotado enquanto acreditar que posso vencer.

- O quê? - O Cavaleiro tinha um olhar incrédulo.

- É isso... enquanto eu acreditar, eu vou continuar me levantando.

- Bobagem! - O Cavaleiro começou uma nova sessão de espancamento.

No primeiro soco os óculos de Gordon voaram longe, estilhaçados, no segundo soco, o nariz já quebrado e deformado foi atingido, o piecing saiu voando e caiu no chão coberto de sangue. Banks continuava sendo jogado e socado de todos os modos possíveis.

- Levante-se agora! - O Cavaleiro ordenou.

Gordon não conseguiu, as pernas estavam quebradas, um dos braços também, o rosto estava desfigurado, coberto de sangue. Mas ele continuava consciente.

- Você é um derrotado, eu tinha razão. - O Cavaleiro riu.

Gordon se prendeu pensativo às palavras do cavaleiro..."Razão"..."Razão"..."Razão"...Como ele não havia pensado naquilo antes?

- Razão. - Cuspiu a palavra da boca ensanguentada.

- O quê? - O Cavaleiro se aproximou pra ouvir melhor.

- Razão.

- Fale alto moleque!

- RAZÃO!!! - Banks urrou e caiu inconsciente finalmente.

O Cavaleiro não entendeu a princípio, mas logo seu rosto foi tomado de terror. Ouviu um som às suas costas.


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Era como um clangor de trombetas e tambores. Uma música magnífica e apocalíptica, alguns, dependendo do que estavam dispostos a ouvir, podiam escutar rugidos de animais, coros de vozes, explosões, sons da natureza, tudo misturado àquele canção celestial.

Uma luz intensa rasgou o céu e o teto do templo. No meio da luz um vulto permanecia parado observando os limites do templo semidestruído.

Era alto, o corpo atlético, de suas costas emergiam três pares de asas espetaculares, brancas e brilhantes.

Tentar olhar para seu rosto era como olhar para o sol, só que imensamente mais incômodo, os cabelos refulgiam como serpentes douradas à volta da cabeça, raios de sol vivos e cintilantes.

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- Mas que confusão. - A voz do "anjo" era suprema, parecia vir de toda parte, retumbava nos ouvidos do Cavaleiro como pancadas dolorosas.

- Razão, há quanto tempo. - O Cavaleiro fez uma leve reverência, estava visivelmente incomodado com aquela presença.

- Ouço algo, vejo alguém, essa insignificância só pode ser uma coisa. Amor, é você, que sempre causa tantos problemas? - Razão disse rispidamente.

- Você me julga mal Razão. – O Cavaleiro deu um sorrisinho amarelo.

- Eu te julgo racionalmente, e não deve haver nenhum julgamento mais justo que o meu! - O anjo elevou levemente a voz, e o templo pareceu tremer desde as fundações até o telhado.

Razão olhou em volta, vários mortos, o Cavaleiro era o único que se mantinha de pé. - Preciso perguntar o que aconteceu?.

- Você sabe de tudo Razão, será que “isto” escapou a sua atenção? - O Cavaleiro perguntou incisivo.

- De fato...- Razão apontou para Golem, as peças metálicas de reuniram - ... eu sei o que aconteceu aqui... - Mais um gesto e o corpo de Ananasi se regenerou - ... mas eu prefiro - Apontando para Beggar e fazendo-o recuperar a vida - ... que você me conte.

O Cavaleiro observava atônito aos mortos que voltavam, Razão fez mais alguns gestos parecidos com os primeiros e devolveu, Moon Tyrant, Slayer e Everton à vida.

"..." - Cavaleiro ficou em silêncio.

- Você tentou usurpar o Templo para si, e para isso destruiu todos os outros que, você sabia, eram sua prisão. - Razão concluiu.

O Cavaleiro não disse nada, nenhum dos outros se pronunciou.

- Eu vou bani-lo Amor, é o que você merece. - Razão sentenciou.

- Ninguém merece isso Lorde! - Beggar disse suplicante.

- Eu sou a razão Sabedoria, não a benevolência... castigo a quem merecer, doa em quem doer, mesmo que às vezes o castigo vá acabar se revertendo em mim mesmo.

O silêncio permaneceu, Beggar não deu sinais de que faria novos protestos.

Razão esticou a mão para frente na altura do peito, uma espada magnífica se materializou e o anjo fechou sua mão sobre a empunhadura.

- Minha espada! - O Cavaleiro disse num sobressalto.

- Agora, ela me acompanha Amor, você não tem mais nenhum direito sobre ela.

Todos observavam em silêncio enquanto Razão esticava o braço com a espada para um lado, espalmou a mão e a espada não caiu, ela permaneceu flutuando há alguns centímetros da mão do anjo, de súbito ela começou a girar descrevendo um grande círculo paralelo a Razão.

Enquanto girava o espada produzia uma música sublime, como um coro de mil sereias.

- Omega Slash. - Ananasi sussurrou.

- Omega Slash! - Razão pronunciou em voz alta, a espada parou de girar imediatamente, estava na posição correta para ser empunhada por Razão, que o fez e golpeou com a espada o peito do Cavaleiro que foi atingido sem mostrar nenhuma reação, a não ser um leve contrair de olhos.

Razão torceu a espada que devia ter penetrado cerca de seis ou sete centímetros da carne do Cavaleiro e a puxou para fora, deixando um ferimento fundo e aberto que começou a sangrar imediatamente.

- Seu nome de agora em diante será Solidão, e você vai vagar pelas terras ermas, além do Vortex. - O anjo disse sério e sem emoção.

O Cavaleiro nada disse, só se colocou a caminhar para fora do templo.

- Inocência, guardião do amor, Sabedoria, companheiro da inocência, vocês devem vigiar o Cavaleiro. - Razão disse autoritário.

Golem e Beggar se entreolharam sem nada dizer, se colocaram lado a lado e começaram a seguir o Cavaleiro que acabara de deixar o templo. O rastro de sangue ainda visível no chão dourado.

- Medo, Instinto, velhos companheiros, vocês voltarão para o subterrâneo, nas entranhas mais profundas do Templo de Ouro. - Razão delegou.

Ananasi e Slayer caminharam pelo túnel no qual o Cavaleiro havia surgido a primeira vez e desapareceram na escuridão.

- Ambição, alcance o céu, e além. - Razão se voltou para Moon Tyrant.

Moon Tyrant sorriu, levitou acima do chão e foi até a entrada do templo, voou rápido para fora do templo e no céu, mirava a Lua.

- Egoísmo, volte para a superfície, para o mundo dos homens, onde você se sente tão bem.

Everton saiu caminhando serenamente sobre sua perna de pau. Próximo a entrada do templo, se abaixou e no chão pegou algo. Os dois olhos de Ananasi que haviam sido arrancados pelo Golem na batalha. Guardou-os no bolso e partiu.

Uma leve brisa invadiu o Templo de Ouro, ao lado de Razão, Tornado se materializou com um brilho azulado. - Batalha dura. – Disse solene.

- De fato. Se o garoto não tivesse se lembrado de mim, vocês estariam todos mortos. – O anjo disse sinistro.

- Você não ia interferir? – Tornado parecia descrente.

- A razão está sempre lá, mas ela só pode ser útil se alguém a acionar, entende?

- Sim. – O elfo olhou ao redor com a cabeça baixa refletindo por alguns instantes, viu Gordon caído no chão. - E o garoto?

- Precisa descansar. Eu sei que ele é forte e aguenta muita coisa, mas não tenho idéia da extensão dos traumas dessa batalha. Fique aqui com ele e o leve pra superfície assim que ele despertar, Everton não é de confiança.

Tornado se sentou num canto qualquer do templo, assoviando uma canção feérica. Razão desapareceu no ar, deixando apenas a lembrança da música sublime que se manifestava enquanto ele estava presente.


Gordon "Troll" Banks (Ou terá sido alguém mais?)

domingo, 9 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte VII: Todos contra o Amor.

Colocaram-se em posição, todos os cinco combatentes. Golem, Beggar, Banks e Tornado formavam um meio-círculo na frente do Cavaleiro, que aguardava pacientemente o primeiro ataque.

Golem foi o primeiro a se movimentar, exatamente como era esperado. Correu com o imenso punho direito cerrado na altura do ombro, desferiu um soco que poderia ter matado um homem comum, na verdade que poderia matar ALGUNS homens extraordinários.

O Cavaleiro esticou o braço esquerdo, o indicador estendido além dos outros dedos segurou o poderoso golpe do golem sem esforço algum. - Patético. - Com a mão livre o Cavaleiro esmurrou o abdômen de aço do gigante metálico, que pareceu explodir de dentro pra fora numa chuva de peças de metal.

- O próximo, por favor. - o Cavaleiro zombou sem emoção.

Gordon e Beggar observavam paralisados, Golem havia sido completamente destruído com um único golpe, que chance eles tinham?

Tornado já havia avançado contra o oponente antes mesmo das últimas peças do golem caírem no chão, voava rápido, o punho retraído até a cintura já preparava seu primeiro golpe.

O golpe foi extremamente rápido, como uma rajada de vento cortante, o Cavaleiro cambaleou levemente, depois passou a se defender dos golpes seguintes.

- Precisa ser melhor que isso pra me derrotar elfo. - Ele disse aborrecido enquanto defendia os golpes incessantes.

- Eu sou melhor que isso! - Tornado aumentou a cadência dos golpes.

- Precisa ser melhor ainda. - O Cavaleiro zombou e chutou o estômago de Tornado sem chance de defesa ou reação, foi inesperado demais.

O elfo azul caiu no chão, as mãos protegendo o estômago, estava sem fôlego. O Cavaleiro o chutou no rosto, ele rodou no ar, o cavaleiro implacável lhe deu um soco no peito, o elfo explodiu numa tempestade de luz azul que logo se desfez, deixando somente uma leve brisa pairando no ar.

- Próximo. - O Cavaleiro riu malignamente.

Beggar se adiantou com uma postura digna como sempre, os punhos magros cerrados, a postura de combate que costumava assumir.

- Você vai mesmo tentar, velho? - O cavaleiro avançou.

Os dois trocaram golpes por alguns momentos, golpes quase invisíveis de tão rápidos. Mas logo cessaram, o punho do Cavaleiro afundado entre as costelas de Beggar que permanecia imóvel, até que um fino fio de sangue escorreu pelo canto de sua boca. Ele tombou imóvel.

O Cavaleiro se virou para Gordon. - Você também faz questão de tentar? - Perguntou cínico.

- Você provavelmente se esqueceu quem EU sou. - Banks disse confiante.

- Não existem convicções que vençam o amor. - O Cavaleiro chiou entre dentes.

Os dois partiram um pra cima do outro, o Cavaleiro com a clara vantagem de ser um guerreiro mais poderoso e experiente, Gordon confiando apenas no seu tamanho e em suas convicções.


A SEGUIR: 10 pessoas num templo de ouro.

sábado, 8 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte VI: Colisão.

A colisão das energias de Tornado e Moon Tyrant arremessou todos os sobreviventes contra as paredes, o Cavaleiro se ajoelhou para não ser arremessado, e continuou assistindo com dificuldade a batalha.

Tornado e Moon Tyrant trocavam golpes furiosamente, enquanto pairavam há 2 metros do chão, socos, chutes, cabeçadas.

O tirano era visivelmente maior que o elfo azul, mas ambos estavam munidos de uma ferocidade fora do normal.

***Chuta, soca, gira, chuta, recua, bloqueia, soca, soca, chuta, gira, bloqueia, chuta, soca, soca, bloqueia, soca, chuta, soca***.

Ventava muito e além das rajadas de vento, uma energia densa estava presente, deixando todos em leve desconforto.

Gordon se levantou com dificuldade ao lado de Beggar, Golem caminhou até os dois e parou na frente deles, barrando grande parte do vento que insistia em derruba-los.

- Se eles continuarem assim, o Templo vai ao chão! - Banks berrou pra ser ouvido acima do som da ventania.

- Um deles está prestes a vacilar, a batalha não vai durar tempo o bastante pra derrubar o templo. - Beggar disse sinistro.

***Soca, chuta, gira, bloqueia, chuta, chuta, chuta, soca, recua, soca, bloqueia, soca, bloqueia, chuta, chuta***.

O ritmo da batalha era apocalíptico, os dois lutavam como se fossem inimigos jurados, embora eles jamais mostrassem nenhuma inimizade.

***Bloqueia, chuta, gira, soca, soca, recua, chuta, bloqueia, soca***.

O cavaleiro assistia, ainda de joelhos, se protegendo da ventania. Enquanto Tornado socava sem parar, o tirano parecia estar ficando pálido e seus olhos ficaram fundos, os músculos ficaram flácidos e o cabelo negro ficou grisalho.

- Estão diminuindo o ritmo. - Gordon percebeu incrédulo.

- Moon Tyrant está pagando o preço de seu poder. - Beggar parecia saber de algo além da percepção comum.

- Me explica o que está acontecendo.

- A coroa está drenando as forças do Moon Tyrant. - Beggar observou - É óbvio que essa aparência doente que ele tem é por causa da coroa, ela cobra um tributo alto por seus poderes, a saúde do tirano. - Concluiu.

***Chuta, bloqueia, soca, recua, soca, hesita...***

Tornado acertou um murro no rosto de Moon Tyrant, que foi arremessado contra a superfície fria de ouro das paredes do templo.

O elfo azul, ainda fora de si, voou rápido pra cima do adversário impotente.

- Já chega Tornado! Ele está acabado! - Gordon gritou e foi devidamente ignorado.

Tornado começou a socar o Tirano ainda caído a seus pés, já inconsciente. Segurou-o então pelo pescoço e se preparou para executar o derrotado.

Uma mão gigantesca e dura se fechou por cima do pulso de Tornado, impedindo-o de desferir o golpe de misericórdia, Golem mirava o elfo, o elmo que era sua cabeça não representando emoção alguma.

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Uma última vez pode-se ouvir o barulho de correntes, o Cavaleiro se livrara da última, ele sorria maléficamente.

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- A batalha está pra começar de verdade agora. - Beggar disse solenemente.

Golem se virou para o Cavaleiro.

Tornado voltou a si, seus olhos azuis voltando ao normal, automaticamente ele se voltou para o cavaleiro com um olhar furioso.

Gordon cerrou os punhos com força, o rosto ainda machucado da batalha anterior mantinha uma expressão dura.


O Cavaleiro pareceu finalmente se dar conta de que os quatro companheiros estavam ali. Sorriu forçadamente e com a mão fez um gesto que convocava todos para a luta. - A hora que vocês quiserem.


A SEGUIR: Todos contra o Amor.

As Crônicas do Vórtex, parte V: First Blood.

Slayer ainda investia com vontade contra Beggar, o enorme punhal riscando o ar. - "Morra de uma vez velho!" - Ele gemia entre-golpes.

Beggar já esgotara sua paciência, estava decidido a retrucar os golpes à altura. Inclinou-se para trás de maneira teatral, a aparência de um monge-mendigo lhe dando um ar digno e ao mesmo tempo agressivo. Retesou o calejado punho direito até a cintura e manteve o esquerdo estendido com a palma aberta. Ele socou o ar a sua frente com o punho direito.

Para Slayer era incompreensível, ele só podia sentir a dor se espalhar por todo o seu corpo. Era como ser esmagado por uma força incrível.

Beggar socava o ar a sua frente e Slayer continuava gritando. Os golpes do monge eram como uma tempestade de punhos furiosos, cada soco no ar representando algumas centenas de golpes no adversário.

Slayer foi arremessado cinco metros para trás, aparentemente morto, o punhal a seu lado, imóvel.

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Ouviu-se o barulho de correntes, o Cavaleiro fitava o grilhão que o prendia pela perna direita. Sorria maliciosamente enquanto uma força invisível destruía a corrente e ele estava agora mais próximo da liberdade.

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Ananasi tentava ganhar alguma vantagem sobre Golem, mas era visível naquele momento a superioridade do gigante metálico, mesmo frente a um monstro tão poderoso quanto a acromântula. Ela rugia de dor e fúria mescladas, jorrava ácido pelas presas desesperadamente, tentava atingir seu oponente com as poderosas e grossas patas cabeludas, mas nada parecia dar resultado.

Golem continuava socando, num ritmo cada vez mais intenso.

Num vacilo de Ananasi, Golem a segurou pelas presas, as mãos invocando uma força titânica. Ananasi urrou de dor, o desespero de ver a morte de tão perto estava estampado nos nove olhos de tigre do monstro.

O construto forçou tudo que pode, o que era MUITA coisa. A cabeça da adversária foi partida ao meio, dois de seus noves olhos voaram pelo salão e atingiram as paredes douradas do templo.Não contente com a morte de sua adversária, ou talvez inocente demais pra perceber que havi vencido a batalha, o golem ainda socava o corpo sem vida da criatura e lhe arrancava as pernas, que tremiam e chutavam em reflexo pós-mortem.

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Um segundo ruído de correntes. O Cavaleiro se libertara do grilhão que lhe prendia a mão esquerda.

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A rivalidade entre Everton e Gordon era lendária. Os dois se odiavam com todas as forças. Era hora de resolver isso. Estudavam-se, caminhando de frente um pro outro, descrevendo um círculo. A fúria era presente no rosto dos rapazes, a pele avermelhada devido ao fluxo de sangue aumentado.

Everton investiu com impudência, o punho direito erguido no ar.

Gordon se esquivou do soco desajeitado do adversário e se viu numa posição privilegiada, por trás do gêmeo, agarrou-o pelo pescoço numa chave de pescoço.

- Boa noite cara. - Banks disse confiante. O mata-leão era seu golpe invencível, e por mais que Everton o golpeasse com os cotovelos e lhe chutasse as canelas, Gordon não soltou até que o oponente caísse no chão desmaiado. Quem sabe até, sem vida?

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O som de correntes pela terceira vez. O Cavaleiro chutava para longe as correntes da perna esquerda, agora, preso somente pelo pulso direito, ele aguardava ansioso o resultado da última batalha.

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Tornado se afastou lentamente do chão, lufadas de vento o acompanhavam. Os olhos brancos fixos em Moon Tyrant.

Moon Tyrant não deixava por menos, imitava cada passo do adversário. Afastou-se do chão, atingindo uma certa altura, uma energia dourada lhe envolvia o corpo agora, os olhos bicolores fixos em Tornado.

- Você ainda pode desistir Moon Tyrant. - Tornado disse, sua voz agora era poderosa e parecia vinda de longe, trazida pelo vento.

- Eu nunca desisto Tornado, se a lua é minha, sua carcaça também será. - Ele respondeu desafiador.

- Quem assim seja. - Tornado finalizou o diálogo.

Moon Tyrant sorriu.

Os dois se arremessaram um contra o outro ao mesmo tempo, os punhos preparados. O poder era quase visível dentro do templo.

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O Cavaleiro ria alto agora, triunfante. - "Hahahahahahahahahahaha!”.

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A SEGUIR: Colisão.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte IV: Dedos quebrados e lábios partidos.

O Cavaleiro Solitário assistia a tudo ali parado de pé no meio das pelejas, se esquivava vez ou outra de algum golpe mais intenso que sobrava das lutas.

- Pare com isso Slayer! - Beggar se protegia das estocadas.
- Você acha mesmo que temos alguma chance? Nossa única opção é lutar e acabar logo com isso! - Slayer continuava atacando, insistente.
- Sempre existem duas opções! Não precisamos lutar Slayer! - Beggar argumentava.

Slayer ignorou, estocou com o punhal golpe depois de golpe.

Beggar se defendia sem muita dificuldade, era um lutador excelente. Para a sorte de Slayer por enquanto o sábio apenas se defendia. Slayer estaria acabado assim que Beggar decidisse disparar a primeira rajada de golpes.

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Ananasi saiu lentamente da cratera onde estava, o Golem tinha uma força titânica e a arremessava de um lado pro outro do templo sem a menor piedade. Ela estava desorientada e abatida, mas ainda furiosa e sedenta de destruição.

Golem já se arremessava contra a aranha monstruosa novamente. Seus passos pesados retumbavam enquanto corria e podiam ser ouvidos por todos no templo. Aquela era de longe a batalha mais barulhenta.

Os dois se encontraram no campo de batalha, Ananasi cuspindo seu veneno corrosivo furiosamente. O Golem ignorava o ácido-veneno, seu gigante corpo metálico era imune à dor.

O gigante de ferro começou a esmurrar Ananasi com seus punhos maciços e a aranha recuava diante dos golpes poderosos, perdendo terreno.

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Everton, o gêmeo caolho, conseguiu derrubar Gordon no chão e sentou-se em seu peito, socava o rosto do gêmeo impiedosamente.
- Segura essa! – Desceu-lhe um soco no nariz, que quebrou e jorrou sangue.

Banks pensava numa maneira de reagir, Everton era tão pesado quanto ele mesmo, seria difícil sair daquela posição. Começou a socar os flancos do adversário, mas sabia o quanto aquilo era inútil, ele vivia se gabando do quanto aguentava golpes do tipo.

- Agente aguenta mais que isso! – O Caolho ria ainda socando o nariz quebrado com vigor.

O riso do irmão irritava Gordon profundamente. Algo dentro dele se acendeu com uma força descomunal e ele conseguiu jogar o gêmeo ao chão. Levantaram rapidamente os dois.

- 'Cê 'tá fodido! - Banks bradou furioso, o rosto coberto de sangue e hematomas.

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Tornado ainda flutuava há alguns centímetros do chão, seus olhos ameaçadoramente brancos e rajadas de vento a lhe circundar o corpo.

Moon Tyrant permanecia quase da mesma maneira, um olho totalmente branco o outro totalmente dourado, a coroa emitindo um brilho fantasmagórico de luz amarelada.

Estavam acumulando forças.


A SEGUIR: First Blood.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte III: Batalha em nome do Amor.

Ninguém ainda acreditava no que estava acontecendo, o homenzinho calvo correndo na direção do monge-mendigo com uma lâmina na mão.

Slayer atacou Beggar com seu punhal. O homenzinho visava um lugar seguro ao lado do Cavaleiro Solitário, pra ele não havia dúvida alguma de que a "nova Era" da qual o Cavaleiro tinha falado estava próxima. E se havia alguma chance dele vencer uma luta contra alguém, na sua mente distorcida, seria contra o velho Beggar.

Beggar era um artista marcial experiente, passara anos treinando nos ermos do vórtex, dificilmente Slayer o teria atingido. O monge apenas desviou o punhal de seu caminho e devolveu alguns socos sem vontade real de acertar Slayer, o homenzinho sacudiu o punhal no ar desesperado com o contra-ataque e num leve descuido Beggar levou um arranhão no braço, um fino fio de sangue escorreu da ferida. Isso foi o bastante pra instigar Ananasi.

- Sangue! - Ela urrou e soltou-se do teto, o corpo imenso bateu no chão com estrondo e ela mirou o primeiro alvo que viu. Seus nove olhos de tigre ficaram enloquecidos e injetados quando ela partiu pra cima de Gordon que ficou paralisado diante do ataque feroz.

Os passos pesados do Golem de metal correndo pelo salão ecoaram enquanto ele se colocava entre o garoto e a monstruosa aranha. Ananasi não pareceu se importar de mudar de alvo, ela atacaria qualquer um e seu caminho. Mais uma batalha havia começado... Inocência contra Instinto.

- Ninguém pra te proteger agora fracassado. – Gordon Banks ouviu uma voz idêntica à dele e se virou para olhar, era Everton com um soco preparado no punho.

Um soco e Convicção lutava contra Egoísmo.

Moon Tyrant olhou ao redor e encontrou Tornado encarando-o.
- Parece que nós dois sobramos. – Estralou os dedos e sorriu caminhando na direção do elfo azul.
- O azar é todo seu. - Tornado disse enquanto o vento começava a soprar dentro do Templo.

Coragem e Ambição lutariam.

O Cavaleiro Solitário assistia com prazer aos duelos.

Beggar e Slayer trocavam golpes, mas as estocadas do homenzinho eram visivelmente inferiores á técnica marcial do mendigo. Enquanto Slayer já dava sinais de cansaço, a testa molhada de suor e ofegava pesadamente a cada arco que a lêmina descrevia, Beggar permanecia calmo e concentrado, seu corpo velho e duro parecendo agora muito mais intimidador.

Ananasi foi arremessada pelo Golem e bateu pesadamente contra a parede de ouro maciço do templo com um baque surdo. Ela se levantou devagar com fúria nos nove olhos estúpidos de tigre e partiu novamente pra cima da armadura mágica.

Os gêmeos se enfrentavam de frente, com a guarda alta imitando lutadores de boxe. Se encaravam tensos, Gordon já com um primeiro corte na sobrancelha, Everton encarando com seu único olho cheio de fúria. Trocaram alguns socos. Everton se adiantou e encaixou uma chave de pescoço em Banks e começou a socar seu rosto violentamente.

Tornado, com os olhos cheios de fúria, flutuava há alguns centímetros do chão. Moon Tyrant fez o mesmo, seus olhos brilhavam um totalmente branco e o outro dourado de energia de sua misteriosa coroa.

- Lutem meus amigos... Lutem e dêem tudo de si... No final, independente de qual seja o resultado, eu serei o vencedor. Por que nada, NADA pode vencer o Amor. - O Cavaleiro sussurrou.


A SEGUIR: Dedos quebrados e lábios partidos.

As Crônicas do Vórtex, parte II: Medo

Todos olharam surpresos para o homem que havia acabado de entrar no grande salão do Templo de Ouro. Na verdade, não era bem surpresa, não para todos eles. O Golem reagiu com sua costumeira curiosidade, Ananasi rugiu excitada e Slayer se escondeu atrás de Moon Tyrant com medo.

O Cavaleiro assistiu com certo prazer enquanto todos se agitavam com sua mera presença.
- Vocês demoraram. – Ele fitou a todos.
- Do que você está falando? – Gordon se adiantou. Era lendário o conhecimento do garoto sobre o Cavaleiro, talvez isso fizesse alguma diferença.

O Cavaleiro sorriu um sorriso torto e muito branco de caninos salientes.
- Há semanas vocês estão sentindo... Um desejo imenso de vir até aqui, de se reunir... Estão ficando mais agressivos, suas habilidades mais aguçadas... Tudo faz parte.
- Parte de quê? - O elfo azul, Tornado, perguntou impaciente.
- Ora Coragem. - Todos estremeceram quando o Cavaleiro se dirigiu ao elfo dessa forma - Parte da nova Era. Eu vou ser libertado, é inevitável.
- Como assim inevitável? Você acha mesmo que consegue sair do Templo sem nossa ajuda? - Gordon tentava arrancar tudo do Cavaleiro.
- Ah Convicção, sempre tão... Convicto. - Riu - É claro que eu não posso sair daqui sozinho, mas vocês vão me ajudar.
- Pare de usar esses termos Cavaleiro! - Beggar advertiu.
- Termos? Seus nomes você quer dizer, Sabedoria? E qual o grande problema afinal? Não são essas nossas verdadeiras identidades? Gordon é Convicção, Tornado é Coragem, você Beggar é Sabedoria, o Golem é Inocência, Moon Tyrant é Ambição, Slayer é Medo, Ananasi é Instinto e Everton é Egoísmo.

Todos ficaram em silêncio, seus nomes não eram pronunciados em voz alta há anos. Beggar fixou o olhar reprovador no Cavaleiro, já outros como Moon Tyrant e Everton abaixaram a cabeça, envergonhados de suas verdadeiras naturezas.

- Vocês vão me ajudar. - O Cavaleiro continuou - Vão lutar entre si e me libertar de uma forma ou outra. Quando eu estiver livre, os vencedores serão meus protegidos.
- Lutar entre nós? Pra te libertar? Pelo cosmo! Do que raios você está falando? - Moon Tyrant falava alto, com seu jeito autoritário e severo.

Slayer tremia em seu canto escuro, alisava o cabo de seu punhal tentando ignorar o que era dito.

- Um de vocês vai desencadear toda a batalha e depois disso, quatro de vocês vão ser mortos e vão eliminar meus grilhões. - Ao citar os grilhões, o Cavaleiro fez questão de mostrar os pulsos, e as grandes correntes que o prendiam às profundezas do Templo.

Todos permaneciam em silêncio. Slayer deixou seu abrigo de sombras e começou a caminhar na direção de Beggar, que de longe tinha a aparência mais frágil dentre todos ali.

- Quem vencer vai ser protegido então? Eu prefiro ficar no time vencedor. - Ele segurava o punhal com firmeza na direção de Beggar, deu mais alguns passos e vacilou por um segundo, então avançou com desespero para atacar.


- Slayer, não! - Gordon e Tornado gritaram juntos.


A SEGUIR: Batalha em nome do Amor.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

As Crônicas do Vórtex, parte I: O Prisioneiro.

No meio de um imenso campo de grama verde-azulada, havia um imenso Templo de Ouro. Era uma construção magnífica de arquitetura insondável, tinha mais 20 andares de altura e se estendia em todas as direções, suas imensas muralhas douradas rasgando o cenário. No centro do templo, um grande salão redondo com teto abobadado.
Dentro do salão no Templo de Ouro, se espalharam oito viajantes, figuras distintas e sombrias.

No centro do salão estavam parados três homens, dois jovens idênticos, altos e gordos, vestindo calça jeans e camiseta preta, um deles com um piercing em forma de ferradura no nariz e o outro com uma faixa de tecido escuro por cima do olho direto no lugar de um tapa-olho. O terceiro homem era um velho que aparentava ser um mendigo, magro e barbudo, estava parado próximo aos jovens. Num canto estava parada uma imensa armadura de metal que olhava para os lados com curiosidade e a alguns metros dela, sentado no chão encostado numa parede dourada, um belo elfo de pele azulada, com longos cabelos azuis muito bagunçados e com algumas folhas presas entre os nós.

Um homenzinho calvo de olhar assustado estava escondido nas sombras num canto escuro perto de uma passagem. Próximo da entrada externa estava um homenzarrão enorme, musculoso e de olhar intenso com uma estranha coroa na cabeça, olhava pro céu púrpura do lado de fora do templo. No teto do salão, grudada ao teto, observava e sussurrava uma monstruosa aranha gigante do tamanho de um ônibus "Eu sou o destino, eu sou o destino...”.

O mendigo se aproximou de um dos jovens altos, aquele que tinha o piercing no nariz e que parecia ser o mais dócil.
- Ela está agitada Gordon, o pior pode estar por vir...
- Nós todos reunidos aqui Beggar, já é o pior...

O segundo jovem, idêntico ao primeiro, porém de olhar mais severo e cruel se aproximou dos dois mancando sobre uma perna tosca de madeira.

- Esse fracassado tem razão, ou o templo está ruindo, ou o cavaleiro está tentando se soltar, e ambos seriam péssimos acontecimentos.

O velho estremeceu de apreensão, das costas dele, próximo à escura passagem que levava para as profundezas do templo o homenzinha calvo disse:

- Pra vocês talvez seja algo terrível, mas eu adoraria ver este templo no chão.
- Já eu, adoraria que o cavaleiro se soltasse. – Disse o grandalhão que usava a coroa de aspecto misterioso.

A gigantesca armadura de ferro apenas observava o diálogo, inexpressiva. Seu elmo era fechado com uma estreita fenda para os olhos, mas sem observar muito percebia-se que a armadura estava vazia. Mesmo assim o elmo se movia de um lado pro outro acompanhando o diálogo.

- É tudo sobre equilíbrio... Se o templo ruir, teremos de lutar pela liderança, se o cavaleiro escapar, teremos de lutar por abrigos seguros. - Disse o elfo azul, Tornado Overpower levantando-se do chão e caminhando para o centro do Templo.
- Eu sou o líder óbvio! Ninguém vai tirar isso de mim! - O jovem caolho exclamou exaltado.
- Sou um líder tão óbvio quanto você, já vivi quase tanto tempo quanto você lá fora. – Gordon Banks retrucou.
- O líder óbvio é aquele com maior capacidade de liderança. Eu comando exércitos, sou um general da morte e se o templo ruir, eu serei o líder! - Disse Moon Tyrant, o homem com a coroa.
- Vocês são cães brigando por um osso que ainda está na perna da vaca. – Beggar, o mendigo barbudo concluiu.

A armadura observa, sua face metálica e maciça ainda assim apresentava um ar curioso.

- Eu sou o destino, eu sou o destino... - Ananasi sussurrava colada ao teto, suas compridas e cabeludas pernas tremendo levemente de excitação.

- Ela me dá arrepios. - Slayer, o homenzinho no canto escuro disse para ninguém em particular.
- Tudo lhe dá arrepios seu covarde! - Moon Tyrant urrou e Slayer se encolheu um pouco mais nas sombras.

Da passagem escura próxima de Slayer vieram barulhos de correntes, todos se voltaram para observar quem vinha. Um homem saiu pela passagem, magro, alto, com longos cabelos brancos e olhos amarelos, a pele era escura do sol. Vestia couro preto e desconfortável pelo corpo todo, mas toda a veste tinha aberturas por onde se viam tiras de sua pele. Nos pulsos e tornozelos, correntes com grilhões o prendiam há algum lugar na escuridão.

- Vocês demoraram muito mais do que eu tinha calculado, mas acho que tudo bem já que estão todos finalmente aqui. Vamos começar a brincar. - Disse o Cavaleiro Solitário com um sorriso malicioso no rosto.

A SEGUIR: Medo.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

De volta ao Vórtex

Ele vinha caminhando bem alegre pelas ruas molhadas do centro, pisava nas poças e chutava a água pra cima. Ao redor dele, elas voavam felizes, uma revoada de fadinhas azuis. Ele se dirigiu até um bar num beco escuro, entrou barulhento, sobressaltando os frequentadores soturnos do boteco.

As fadinhas voaram em todas as direções, derrubando canecas de cerveja e banquinhos, um grupo delas se juntou e puxou a barba de um velho roto, muito magro que estava bebendo pinga no balcão, elas riam e dançavam à volta da cabeça do velho, e puxavam seus cabelos, até que ele levantou a mão e a abanou insistente até que elas o deixassem em paz. O jovem que acabara de entrar no bar sabia que era incomum que as pessoas vissem ou sentissem as fadas azuis, isso significava que aquele velho era alguém especial.

- Te pago uma bebida. - Disse o jovem.

- Eu aceito. - Respondeu o velho.

Era tarde da noite e o bar não devia ter mais do que 10 ou 15 clientes sentados em mesas espalhadas. No balcão os únicos eram o velho e o jovem recém chegado.

- Sou Gordon. - O jovem estendeu a mão, mas o velho a ignorou.

- Eu sei. Mestre das fadas azuis, o Convicto, Portador dos Olhos de Besta. - Disse o velho com mistério na voz.

Os olhos de Gordon brilharam, amarelos como os de um tigre, mas logo voltaram ao normal.

- Não se atreva a olhar pra mim com essas coisas! - Ralhou o velho.

- Como você pode ver as fadas? Como sabe dos meus olhos? Quem é você?

O velho cofiou a barba e com um gole terminou o copo de pinga. Levantou-se e começou a andar pra fora do bar. - Vamos dar uma volta garoto.

Os dois saíram do bar, o beco úmido e gelado não intimidou o velho que usava roupas leves e mulambentas. Assim que o rapaz saiu do bar as fadinhas azuis voaram para fora da porta como uma lufada de vento carregando poeira brilhante e azul, elas seguiam os dois pela rua.

- Você sabe onde está? - Perguntou o velho monge-mendigo.

- Sei.

- Tem certeza?

- Claro que tenho certeza, que porra de pergunta é essa?

Os dois continuavam andando no caminho pelo qual Gordon viera, mas de repente, as ruas foram desaparecendo e uma floresta escura e sombria os cercava. Caminhavam por uma trilha mal marcada, corvos estavam pousados nos galhos secos das árvores retorcidas e grasnavam ve ou outra.

- Ainda sabe onde está?

Gordon olhou ao redor, finalmente se dando conta do cenário surreal.

- Onde eu estou?

O velho sorriu com pena. Caminhou até a beira da trilha e se sentou numa pedra. As fadinhas já não mais voavam ao redor do jovem, pareciam ter todas sumido, mas ao longe, de todos os lados da floresta, pequenos pontos vermelhos merchavam na escuridão de encontro aos dois personagens.

- Essa floresta é só um dos muitos lugares sem nome que você vai encontrar por aí. Nós estamos num lugar chamado "O Vórtex". Você já esteve aqui, passou a maior parte da sua vida aqui, mas por alguma razão, você se esqueceu. Agora é hora de relembrar tudo o que passou e finalmente descobrir quem você é. As lições que você tirar disso é que vão te ajudar no mundo real.

Gordon olhava pro velho assombrado, sabia no fundo que tudo aquilo era verdade, mas não tinha ainda idéia do que aquelas palavras representavam.

No chão da floresta os pontos vermelhos foram se aproximando, eram homenzinhos vermelhos com no máximo 2cm de altura e caudas afiadas. Eles cercavam Banks com os bracinhos estendidos, começaram a escalar o corpo do rapaz que assistia paralisado.

- Eles são a Angústia, eles vão te mostrar o que aconteceu. Vão te mostrar o que você esqueceu, mas precisa se lembrar.

Um dos pequenos demônios escalou até a boca de Banks, ela se abriu sem que o rapaz percebesse e o pequenino escorreu-lhe goela abaixo. O que aconteceu depois, já não estava muito claro para Gordon...

A SEGUIR, Guerras Secretas orgulhosamente REapresentam: As Crônicas do Vortex (Versão 2.0)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Morre um poeta, nasce um rufião...

No meio do pântano havia uma mansão, tinha a aparência antiga e podre, porém imponente. O interior estava quase completamente vazio, poucos móveis, muitos deles cobertos por pesados lençóis brancos. Camadas seculares de poeira cobriam tudo no interior. Na imensa sala de estar, uma lareira apagada e uma poltrona de camurça vermelha. Sentado na poltrona, observando a noite clara lá fora pela janela embaçada de sujeira, um jovem de cabelos negros e olhos furiosos. Parecia impaciente sentado, balançava a perna direita, parou. Levantou-se e caminhou vagamente pela sala, indo até um ponto ou outro.

Ecoaram passos desiguais no hall de entrada, alguém vinha se aproximando. De repente a lareira se acendeu e um ferro de revirar brasas caiu com a ponta no fogo.

Na entrada da sala de estar apareceu um outro jovem, a mesma constituição, alto e gordo. Eram idênticos na verdade, como gêmeos, mas o recém-chegado tinha sobre o olho direito uma faixa de pano escuro, um tapa-olho improvisado ainda manchado de sangue. A perna direita era amputada logo abaixo do joelho e no lugar da perna uma prótese mal feita de madeira escura.

Os dois se encararam longamente, o ar da sala ficando cada vez mais pesado. O caolho tinha uma aparência ainda mais cruel que seu gêmeo, mas o outro mantinha firme nele um olhar de sagacidade, como se ele soubesse de algo que ninguém mais sabia.

Na poltrona vermelha, uma enorme aranha caminhava por cima da camurça poída, as pernas cabeludas vagarosamente ganhando espaço.

- Você tem certeza? - O caolho perguntou com seriedade.

O outro jovem olhou pela janela, o luar iluminando os charcos, ao longe os grilos cricrilando e alguns sapos coaxando.

- Tenho certeza. - Respondeu convicto.

O caolho mancou até o outro, esse por sua vez se deitou no chão, fitando o teto com determinação. O coxo se ajoelhou com extrema dificuldade, seu corpo enorme apoiado todo no joelho manco. Ele revirou um bolso do casaco pesado que vestia e sacou uma navalha de prata de aparência magnífica, muito brilhante e afiada. Colocou-a no chão empoeirado e voltou a revirar os bolsos.

- Onde raios eu os meti? - resmungou. - Aqui!

Tirou do bolso um par de esferas amarelas e gosmentas, com uma olhada melhor, percebia-se que eram dois olhos de animal. Colocou-os no chão e apanhou a navalha novamente. De maneira dramática, abriu a navalha e a pontou para o céu, a luz da luz refletiu na lâmina afiadíssima.

- Você tem certeza? - O caolho perguntou uma segunda vez.

- Tenho certeza! - O jovem respondeu ainda olhando fixamente para o teto parecendo muito determinado.

O outro encarava o rapaz deitado no chão com um olhar que misturava apreensão e pena.

- Faça! - Ordenou o paciente.

O caolho desceu a navalha sobre o olho direito do jovem, cortou fundo a carne e o sangue escorreu livremente enquanto o rapaz gritava de dor, mas ainda perfeitamente parado deitado no chão. Com a parte chata da lâmina o Caolho puxou pra fora o olho que saiu ainda inteiro da órbita, preso apenas por um cordão carnoso no fundo, a lâmina da navalha cortou o cordão e o primeiro olho foi removido. Com desleixo o cirurgião largou o olho no chão empoeirado, ia começar a repetir a operação no lado esquerdo. Sem hesitar, enfiou fundo a navalha na carne do rapaz novamente e em pouco tempo, apesar dos gritos, o segundo olho foi removido.

O coxo se levantou vagarosamente e foi até a lareira, pegou o ferro de revirar brasas, a ponta que tinha caído no fogo estava agora vermelha e incandescente. Ele voltou até o jovem deitado que gemia de dor. Pegou o primeiro dos olhos amarelos de besta e ligou os dois cordões carnosos com a ponta quentíssima da ferramente de metal, o rapaz nesse momento se debateu e urrou. Com calma o Caolho enfiou o olho na órbita e recosturou as pálpebras. Depois ele repetiu o processo doloso de fundir a carne com o ferro quente e novamente costurou as pálpebras, mas dessa vez do olho esquerdo.

Acabara a "cirurgia", ou pelo menos o ritual, e o macabro aleijado se afastou do paciente. O jovem se sentou com os olhos fechados, depois com algum esforço ficou de pé e então pela primeira vez ele abriu os olhos.

Foi surpreendente. A mansão, antes velha e decrépita, era agora um luxuoso palácio, enfeitado de ouros e pratas e pedras preciosas por todos os lados. Os móveis, agora muitos, eram feitos de madeira de lei e estavam limpos e brilhantes. As paredes e o chão, antes vazios e poeirentos, estavam agora enfeitados com tapetes e tapeçarias esplêndidos. Ao olhar pela janela, os vidros estavam claros como cristais, e a paisagem lá fora não era nada inferior a maravilhosa, um prado imenso e verdejante, onde brisas mornas sopravam de todas as direções, as flores mais coloridas que o rapaz jamais vira estavam coroadas de joaninhas e borboletas e abelhas. Um agradável ruído de cigarras vinha de longe, como nas tardes de verão da infância do jovem.

Ele procurou com seus olhos de besta o seu gêmeo de aparência cruel, mas encontrou o rapaz com cabelo e barba aparados, o olho direito estava coberto por um tapa-olho negro de veludo costurado com fios de ouro e a perna amputada dava lugar a uma prótese de platina incrivelmente brilhante.

- Deu certo. - O jovem recém-operado comentou ainda impressionado com tudo que via.

- Sim, deu certo. Você abriu mão dos seus olhos sensíveis de poeta, seus olhos sinceros e honestos de amante, seus olhos leais de amigo. Por um par de olhos de besta, cínicos, mesquinhos e fúteis! Você agora vê o mundo do mesmo jeito que todas as outras pessoas.

- Eu vejo o mundo como um ignorante. - O jovem disse sombrio.

O caolho se abaixou no chão e recolheu os olhos de poeta, guardou-os no bolso.

- Não vou mais precisar deles, pode jogar fora.

- Vou guardar. Algo me diz que você vai querer de volta.

O cirurgião saiu da mansão e meteu o pé numa poça de lama, os sapos coaxaram no pântano da realidade, mas lá dentro, no palácio da ignorância, tudo estava bem.


Gordon "Troll" Banks
 
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