Ele abriu os olhos e não reconheceu aquele teto cinzento, o lustre também lhe era estranho. Levantou a cabeça e olhou em volta, mas então sentiu uma dor aguda atrás dos olhos, a ressaca veio lhe dar bom dia antes de todo o resto.
A boca estava seca por dentro, com um gosto abissal. Os lábios rachados e duros. Os olhos ardiam incomodados com a primeira luz do dia que entrava pela janela. Na cama, cinco corpos que não eram o dele. Um cara magro e ruivo, ruivo natural, e mais quatro garotas, todos nus, dormindo como anjos decadentes. Deitada sobre as pernas dele estava uma garota, e olhando pra bunda dela ele reconheceu a marquinha em forma de cavalo marinho. Era Heather, Jack lembrou-se com um pouco de amargura, ela tinha sido a garota mais gostosa do colégio a tantos anos atrás, agora participava de orgias em troca de drogas. "Destino" ele riu amargurado.
Jack se arrastou pra fora da cama e ficou em pé, nu, olhando pela janela. Sentiu-se engraçado. Caçou um par de calças qualquer no chão e vestiu um jeans rasgado e imenso. Foi pra cozinha e encontrou jogado no chão um cara gordo, provavelmente o dono do jeans. Tinha um cachimbo caído perto da boca, Jack o apanhou e cheirou, algo entre o insanamente ilegal e o adoravelmente new age. Acendeu o cachimbo.
Ele vagou pelos comodos da casa fumando o cachimbo, sem camisa, tinha mais gente na casa, mas todos dormiam, ou os únicos sobreviventes da noite estavam altos demais pra conseguir fazer qualquer coisa que não fosse encarar as paredes sonolentamente.
Um frigobar se aquilibrava perigosamente no canto da grade negra da varanda sobre a piscina, Jack o abriu e encontrou uma cerveja gelada, abriu a garrafa e sentou-se num cadeirão de praia. Ao longe, por detrás dos pinheiros, vinha nascendo o sol. Era magnífico, um espetáculo em camera lenta, quanto centímetro a centímetro o gigante Astro-Rei escalava mais e mais o céu. O cachimbo estralou na boca de Jack, "restos de crack" ele pensou.
Da porta atrás dele surgiu um rapaz baixinho de cara amarrotada, cabelo preto e uma camiseta branca do Led Zeppelin.
- 'Dia. - Ele disse pra Jack.
- 'Dia.
- Bela festa hein?
- Tinha ouvido dizer que era isso que você andava fazendo depois que eu fui embora. Tive que conferir.
- Charlie teria curtido.
- Não, ele não teria.
- ...você ta zangado?
Jack se levantou e deu um último trago no cachimbo, depois arremessou-o na piscina. Deu um gole na cerveja e empurrou a garrafa contra o rapaz que a segurou com cara de desconfiança.
- Sabe Kevin, eu queria mais que isso pra gente. Mas aparentemente o legado que o Charlie deixou pra mim, ele não deixou pra você. E se deixou, você não entendeu bem o que queria dizer. É como jogar pérolas aos porcos...
- Isso é um insulto?
- Nah, os porcos não são tão sensíveis assim...
Jack empurrou o frigobar que caiu com um barulho enorme na piscina acordando alguns habitantes da casa. Ele seguiu pro quarto e pegou uma camiseta e uma jaqueta, vestiu-as e saiu.
Já longe dali, caminhando descalço pela rua, já que tinha esquecido de pegar sapatos, Jack pensava no rumo que a vida dele estava tomando. Todas as drogas, as festas, as pessoas vazias. E todos aqueles anos no monastério, o que haviam lhe ensinado? As pessoas interessantes que ele conheceu e as situações insólitas. Tudo aquilo pra quê se Charlie ainda estava morto?
"Talvez", ele pensou, "não tenha nada a ver com as festas, nem com as drogas, nem com a viagem pelo mundo e com as pessoas interessantes. Talvez tudo isso só tenha a ver com a fuga. A fuga que nós procuramos do mundo. As maneiras maravilhosas como nós tentamos nos isolar, nos afastar um dos outros, mesmo que em bando." Jack parou perto de uma torre, ali, alguns anos atrás, seu melhor amigo Charlie tinha se atirado e morrido. "Da ilusão da vida, sobram só nossas fugas." ele concluiu.
Jack caminhou mais leve em direção ao norte, ia sumir por uns tempos, haviam muitas fugas a serem experimentadas.
Gordon "Troll" Banks
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Um comentário:
Achei maginífico
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