terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Deixar rolar ou não deixar? Eis a questão.

Todo aniversário era a mesma coisa. Todo ano.

Eu dava um jeito de sumir, me enfiava em algum bar ou puteiro e só saia de lá quando tinha certeza que ninguém mais estava pensando em mim.

Não que eu não gostasse dos parabéns. Tive sempre muitos amigos, o bastante pra ter que ficar sozinho às vezes, e no final das contas eu nunca nem fui muito ligado nessa coisa toda de aniversário, não me importava. Mas tinha algo que me incomodava. Aquele certo parabéns que eu nunca recebia.

Muitas vezes nem havia ninguém, em alguns anos tinha uma paixão platônica ou outra. Não importava como fosse, sempre fazia falta. E por isso eu me escondia.

O álcool, as putas, o jogo, era tudo um disfarce pra minha solidão. Na verdade era assim o ano todo, mas cada aniversário era uma celebração do quão inepto eu era, do quão desajustado eu me colocava, do quão estranho eu estava me tornando. Como um desses caras excêntricos que falam sozinhos com seus quadros de R$40 reais numa mansão de US$950 mil dólares.

Todo ano eu acordava e me olhava no espelho e desejava que tudo fosse diferente, que eu fosse uma pessoa diferente. Ou então fazia mil promessas, de perder peso, de ficar rico, de fazer caridade. Aí chegava o dia seguinte e eu me sentia patético. Implorando ao universo alguém pra compartilhar minha loucura.

A maior parte do tempo eu estava confuso...o que é o certo? Eu devo mudar? Eu não devo mudar?

Você se pega pensando em coisas muito mais sinistras que a morte quando tem a chance e os miolos pra tanto.

No final das contas, quando acabava a ceveja e o uísque e a vodka, ou quando terminava o jogo ou a vontade de jogar ou o capital pra continuar apostando, ou ainda quando as putas dormiam tranquilas com a cabeça apoiada no meu peito, eu olhava pro céu e dizia:

"Foda-se."

E continuava levando a vida do mesmo jeito de sempre. E continuava solitário do mesmo jeito de sempre. E continuava pensando em coisas sinistras do mesmo jeito de sempre.

Eu demorei pra me dar conta de que a cada ano eu estava diferente, quizesse ou não. De que a cada decepção, a cada erro que eu cometia, cada pessoa que eu afastava e cada pessoa que eu atraía, eu me erguia gigante acima de todos os problemas e ficava cada vez mais forte.

A solidão ainda assusta, querer ter alguém ao seu lado com tanta força que tudo que você sonha ou pensa é aquela pessoa, e tudo que você faz é pra tentar impressiona-la. O medo de falhar, o medo de crescer. Ainda assim eu vou seguindo, sempre do mesmo jeito, sempre com a mesma cara, sempre com o mesmo pensamento. E quando me perguntam: "Como você faz?" eu respondo "Eu deixo rolar."

Gordon Banks

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Conceived Sorrow (Adeus!)

Logo pela manhã, no portão da capela eu vi um Beitivi. Me lembrei que quando amanhecia, eu olhava lá fora pela janela do nono andar e via muitos beitivis pousados aqui e ali, cantando alto pra alvorada.

Lá dentro, todos ainda perambulavam ocupados, eu ainda era invisível.

Vi antigos amigos e amigos atuais e disse que estava indo embora. E ninguém chorou. Eles sorriram.

E eu percebi em cada um de seus sorrisos que eles estavam felizes por mim e sentiam-se orgulhosos, afinal de contas eu estava fazendo o que a maioria deles tinha vontade de fazer.

Cada passo que eu dava, pra cada direção que eu olhava, um sinal dizia "Vá em frente", "Vai dar tudo certo", "Você é capaz".

Sentei num corredor pelo qual eu nunca passava, ouvindo uma música triste nos fones e bebendo água mineral. Achei apropriada a despedida.

Passei ali três anos da minha vida, muitos momentos ali eu odiei profundamente, mas não posso mentir. Aquele era meu emprego, aqueles eram meus colegas. E eu amei aquele hospital.

Mas chega a hora de seguir em frente, pra coisas maiores e melhores.

Quando saí de lá, enquanto caminhava naquela calçada longa, com as árvores me protegendo do sol, uma borboleta me acompanhou até a entrada do metrô. E pra mim, não poderia ser um sinal melhor de que daqui pra frente, as coisas vão ser melhores.

Gordon Banks
 
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