segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Inferno de Gordon, parte I: Ananasi, a Acromântula do Destino.

Caminharam pra dentro do Templo de Ouro, o velho monge e o rapaz. Não havia ninguém no hall principal.

- Ninguém em casa. - Gordon disse. - Pelo jeito ela também tem afazeres.

- Ananasi não mora aqui. Ela mora nas profundezas do templo. - Disse o velho magro caminhando na direção de uma passagem escura que Gordon reconheceu como sendo o lugar do qual saíra o Cavaleiro Solitário no dia da batalha.

O rapaz não se animou de ter que entrar naquele corredor que ele nem mesmo sabia pra onde levava, mas acompanhou seu guia escuridão adentro. Os dois caminharam os primeiros metros com tranquilidade, mas logo a luz foi diminuindo drásticamente, até ficar quase impossível enxergar qualquer coisa. Gordon sentia finas teias de aranha se agarrando às suas temporas e afastou-as com as mãos, não conseguia ver se Beggar estava tendo o mesmo problema. Quanto mais seguiam, mais úmido e pesado parecia o ar, e estava ficando claro que o corredor descia, mesmo que levemente. Durante alguns minutos a luz desapareceu completamente, não se via nada no túnel, mas então começou novamente a clarear e o jovem pode ver no final do corredor a luz pálida do dia.

Saíram do túnel no fundo de um poço imenso com cerca de 40 metros de diâmetro. No chão estavam espalhados ossos de vários tamanhos, muitos deles de aparência humana, mas fragmentados demais para se ter certeza. O poço subia vertical e sua saída estava em algum lugar entre 100 e 200 metros de altura do fundo. Entre as paredes, pra quase todos os lugares que se olhava, grossas teias de aranha, grossas como cabos de aço cruzavam o diâmetro do poço em todas as direções. No lado oposto ao da saída do túnel havia uma escada que subia pela parede do poço em espiral.

- Ela nunca está aqui no fundo, vamos ter que subir e encontra-la. - Beggar disse experiente. - Tome cuidado pra não tocar em nada que nos faça ser mortos.

- Mortos?

- Essas teias não são meras teias de aranha comum. São as teias de Ananasi, a acromântula do destino. Essas teias são as ligações do nosso corpo físico com as energias místicas do universo que regem o destino e os acontecimentos.

Gordon fitava Beggar com um olhar confuso. O monge-mendigo continuou:

- Cada fio que você está vendo é relacionado diretamente e algum acontecimento da sua vida. Pegar um ônibus. Escovar os dentes. Conhecer alguém. Conversar com alguém. Se um fio se partir, você vai perder não só todas as lembranças daquilo, mas também todos os desdobramentos. Por exemplo, se você estourasse o fio que representa seu pai, você ia se esquecer completamente dele, mas todos os fios relacionados a ele também iam desaparecer e você ia começar a perder memórias aleatórias que resultariam das ações dele na sua vida.

- Cara isso é muito complexo. - Gordon disse finalmente. - Não sei bem se entendi tudo, mas vou tentar não tocar em nada.

Beggar abriu a boca pra dizer algo, mas desistiu, realmente era um assunto complexo. Começou a subir a escada em espiral e o rapaz foi logo atrás. A escada era estreita, tinha no máximo 1m de largura. No começo não incomodava, mas logo começou a ficar bem alto e Gordon olhava pra baixo inseguro. Quando estava a 10m do chão apareceram as primeiras teias no caminho, estavam grudadas na parede diretamente no lugar onde eles precisavam passar. Beggar parou e tentou pensar num jeito de passar sem perturbar os fios cósmicos.

Enquanto o velho pensava, Gordon olhava para os fios e viu um brilho azulado em um deles, o que estava mais baixo. Não era claro, mas de alguma forma o rapaz começou a entender do que se tratava aquele fio, o que ele era e representava.

- Quebre esse aqui Beggar.

- Não podemos, não sabemos o que vai acontecer.

- É uma lembrança sobre um corte de cabelo ruim quando eu tinha quatro anos, sem maiores consequências. Pode quebrar.

- E como você sabe disso?

Os olhos de Gordon ficaram amarelos.

- Os olhos da besta. Mas é claro! - O monge disse com entendimento. - Os olhos que Everton implantou em você eram os olhos que Ananasi perdeu durante a batalha do templo! Isso nos dá uma vantagem aqui, você deve ir na frente Convicto.

Gordon passou a ir na frente quebrando aqui e ali algum fio de uma memória ou acontecimento desimportante e sem consequências. Conforme subiam, a quantidade de teias aumentava e com os olhos amarelos o rapaz enxergava os brilhos azuis de fios finos e desimportantes, os verdes que eram as consequências de certos acontecimentos e os grossos fios vermelhos que ele logo entendeu, eram os fios que jamais poderia ser cortados sem consequências terríveis. Continuaram subindo, mais e mais, já devia estar a 80 ou 90 metros do chão, uma queda seria fatal agora. Nada ainda da acromântula. Gordon percebeu que a quantidade de fios vermelho aumentava cada vez mais, prosseguir estava se tornando cada vez mais difícil.

Num certo momento não havia como prosseguir, estava cercados por todos os lados por fios vermelhos. Eles formavam uma teia densa no meio do poço.

- Acho que podemos prosseguir por aqui. - Disse Gordon pulando no meio da teia que balançou perigosamente, mas não se partiu.

Beggar o seguiu sem muita certeza e os dois começaram a escalar as teias, o emaranhado balançando e rangendo, mas nenhum único fio se partiu. Subiam no meio dos fios brancos e macios e não viam nada em direção alguma.

- E quando a encontrarmos? O que faremos? - Gordon perguntou.

- Ainda não sei.

Finalmente escalaram até um lugar em que os fios formavam um chão. Dessa teia apenas alguns fios partiam pra cima, cerca de 40 deles, todos com o brilho avermelhado. No fundo um fio chamou a atenção de Gordon. Era muito mais grosso que todos os outros e tinha um brilho dourado. O jovem caminhou até ele, Beggar ia ao seu lado muito atento olhando pra cima e para as paredes altas, ainda faltavam uns 30 metros pra chegarem no topo do poço. A mão do rapaz estava quase tocando o fio quando eles ouviram um rugido familiar, só podia ser Ananasi.

A aranha imensa, do tamanho de um ônibus, veio descendo por um fio que ela produzia de seu abdômen. Seus nove olhos de tigre estavam injetados e suas presas soltavam gotas grossas de um líquido verde, o veneno corrosivo da besta.

- Não toque! - Ela urrou enquanto suas oito pernas atingiam finalmente o chão de teias onde estavam.

- Nós estamos aqui pra evitar uma catástrofe. - Beggar tomou a frente.

- Eu saber. - O monstro sussurrou. - Eu estar protegida aqui. Loucura não alcançar tão fundo. Instinto permanece.

- Ananasi representa nosso instinto Gordon. É ela quem lhe fornece a empatia que você tem, é por causa dela que você tem uma boa percepção e julga bem o caráter das pessoas.

- O que é aquele fio dourado? - Gordon deu pouca atenção às palavras do monge.

- Você saber. - A aranha caminhou e a teia balançava a cada passo. - Destino dourado. Destino que Ananasi não pode mudar.

- Ela pode mudar qualquer coisa aqui, menos esse fio dourado. - Gordon disse pra si mesmo. - Você sabe qual fio eu procuro Ananasi, o fio de quem eu procuro, se eu parti-lo, se nós nunca a tivermos conhecido, tudo vai ficar bem.

Os olhos de tigre encaravam Gordon, agora um pouco menos vidrados, como se a aranha adquirisse uma consciência por um momento.

- O fio que você procura é o fio dourado.

Beggar apenas assistia. Ananasi recuou. Gordon caiu de joelhos, seu rosto era pura angústia. Ele não podia mudar nada. Podia apagar sua vida toda se quizesse, podia tacar fogo naquele poço e a única coisa que ia sobrar seria aquela única lembrança indestrutível.

- Vamos embora Beggar, estamos perdendo tempo aqui. O único fio que poderia nos salvar da loucura é o único que não pode ser destruído, é o causador da loucura.

Beggar nada disse, caminhou até Ananasi e montou na aranha. Ela foi até Gordon e deu a entender que ele devia repetir o gesto. Com os dois montados em seu lombo a aranha escalou com agilidade os últimos 30 metros do poço. Foram deixado do lado de fora do poço, numa pequena floresta de aparência alegre.

- Onde estamos? - Gordon perguntou.

- Em terras amigas. O palácio de Tornado fica nessa floresta. Acho que deve ser nossa próxima parada ou Ananasi não teria nos deixado aqui.

Enquanto falavam a acromântula se enfiou de volta em seu buraco silenciosamente.

- Vamos andando por aqui. - Beggar convidou.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte II: Tornado, Rei-Coragem.
 
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