Parte 1: Jack, Charlie, e o grande baile
Depois de um ano no Japão, era de se esperar que Jack tivesse virado um cara mais Zen. Ele até tentava, mas não era bem o estilo dele, por mais que ele quizesse honrar a memória do amigo Charlie. Assim que saiu do retiro começou a beber pesadamente, andava nos lugares mais escuros e sujos das cidades pelas quais passava. Botecos baratos, fumando cigarros baratos. Foi num desses lugares que ele conheceu o Troll.
O Troll era um cara com a mesma idade de Jack, era do tipo grandalhão, um sujeiro engraçado, perturbadoramente parecido com Charlie. Jack conseguia sentir a fúria por trás dos olhos alegres do sujeito. Estava indo pro Norte procurar emprego nos navios pesqueiros, mas tinha dado uma estacionada por ali torrando a grana que tinha ganho trabalhando como capanga de algum figurão em El Salvador.
Os dois vinham se encontrando com frequência num boteco sujo e escuro na esquina da 6ª com a Mothway.
Jack chegou por volta das 8 da noite, era um dos primeiros clientes. Bebeu duas cervejas e um scotch, acendeu um cigarro e ficou vendo a Tv, passava um jogo de soccer inglês, o Meyerside Derby. Lá pelas 11 a porta abriu com força e o sino que ficava na entrada deu uma volta completa no eixo, o Troll chegou, visivelmente bêbado. Cambaleou pelo bar e se sentou junto com Jack.
- Hey Jack.
- Hey Troll, pelo jeito já começou sem mim.
Os dois riram e ficaram em silêncio, o Troll pediu cerveja pra dois, mas ficou com as duas canecas, Jack ja tinha se acostumado com isso, pediu uma caneca pra si. Beberam conversando, o jogo ainda na tv, o bar encheu um pouco mais, mas logo esvaziou lá pelas 2 da manhã, os dois ainda bebiam com vontade. Depois veio mais silêncio.
- Um amigo meu se matou. - Jack disse subitamente.
- Esperto.
- Acha graça?
- Não, acho esperto. Se achasse graça teria dito "Engraçado".
- Foi no último ano do colegial, na noite do baile de formatura.
- O universo não gosta de trapaceiros. Me disseram isso uma vez. Suicídio é como usar código pra vencer num jogo, cartas marcadas.
- Ele era bem parecido com você. Eu nunca entendi porque ele se matou. Me senti culpado.
- Eu não vou me matar, ainda não. Se é isso que te preocupa.
- Ir pro mar pescar carangueijos é um jeito bem complexo de tentar se matar, mas não deixa de ser uma tentativa de suicídio.
Troll terminou mais uma caneca de cerveja, pediu a próxima. Jack acendeu mais um cigarro.
- Estamos todos nos matando aos poucos Jack. Cigarros, bebida, carne vermelha, automóveis. Acho o cúmulo todo mundo me julgar só porque eu quero algo mais teatral. A vida termina em morte de qualquer jeito.
- Entendo.
- Vida é superestimada. Comer, beber, foder, tudo superestimado.
Jack não tinha argumentos pra rebater, se pegou pensando nas palavras amargas do Troll. Se pegou pensando em como o Troll era parecido com o falecido Charlie, mas por alguma razão ainda estava ali, lutando, comendo , bebendo, fodendo.
- O que você está esperando então? Porque não se mata logo?
O Troll deu um longo gole na cerveja e fechou os olhos trazendo à lembrança algo que só ele podia ver.
- Eu sou curioso Jack. Acho que é por isso. O que tem me segurado por aqui é o "E se...?".
O barman se aproximou e anunciou que o bar ia fechar, já eram 4:30 da manhã. Jack alcançou a carteira, mas o Troll foi mais rápido e jogou um bolinho de notas amassadas no balcão.
- Dinheiro sujo. Mas serve pra pagar cerveja.
Do lado de fora do bar os dois se despediram como sempre faziam, mas no dia seguinte o Troll não apareceu, nem nunca mais, levaria anos até que Jack o visse de novo, ele tinha ido pro Norte atrás dos seus carangueijos e barcos de pesca, atrás de sua teatral morte branca.
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