terça-feira, 2 de março de 2010

O Inferno de Gordon, parte VII: O Sermão da Solidão e da Sabedoria.

Diante dos portões fechados do templo da flor de lótus, Gordon respirou fundo e deu um passo a frente. Os portões se abriram como que por mágica exibindo um imenso pátio de pedras quadradas. Num canto, deitado confortável sobre suas quase 3 toneladas, estava Desespero. A besta olhava o rapaz com seus olhos completamente negros e tinha um ar de riso. Parecia ainda maior do que há pouco quando quase o atacara. O Desespero crescia.

- Eu não tenho pressa. - Caçoou.

Gordon ignorou e continou andando até a porta de acesso. Entrou no templo pra descobrir uma construção de uma simplicidade incrível. O teto era muito alto, mas quase não haviam adornos em parte alguma, com excessão das vidraças coloridas que representavam grandes mandalas redondas. Bancos de madeira estavam dispostos ao longo das paredes e um altar pequeno estava no fundo do salão, repleto de fumaça azulada de incensos acesos. No centro, ambos sentados em posição de meditação, estavam o Cavaleiro e Beggar.

- Junte-se a nós Convicto. Por favor. - Disse o Cavaleiro em tom sereno.

Convicção se aproximou e não pode deixar de reparar que Solidão estava agora despido de sua camisa, a ferida enorme em seu peito pulsava infecciosa e uma grande quantidade de sangue escorria do ferimento o tempo todo, o colo do Cavaleiro estava encharcado de sangue escuro e fétido.

- Antes de tudo. - Disse Beggar. - Saiba que minha parte nessa jornada termina aqui Convicto. Eu vou permanecer no templo quando você se for. Sabedoria te guiou até aqui da melhor maneira que pode, mas depois do que você aprender aqui, só vai poder enfrentar a insanidade apoiado em outras coisas. As Princesas da Inspiração ainda se afeiçoam de você eu percebo, e o crescente Desespero que está do lado de fora também vai, de certo, querer acompanha-lo.

- Entendo. - Disse Gordon apático.

- Sente-se. - Solidão fez um gesto com a mão que apontava um lugar no chão a frente deles. Sentado ali, Gordon e os dois monges formariam um triângulo perfeito.

O jovem se sentou sem discutir. Olhou para Beggar e depois para o Cavaleiro, seu olhar era de desanimo e frustração.

- Sabedoria. - Iniciou o Cavaleiro.

- Solidão. - Continuou o monge-mendigo. - Tão distantes e ainda assim, tão próximos.

O altar soltou um chiado e a fumaça dos incensos subiu no ar com intensidade. Todo o ambiente se encheu com aquele cheiro doce e esotérico. Gordon sentiu suas pálpebras ficarem pesadas.

- Do que um dia foi Amor e hoje é Solidão... - Disse Beggar. - ...temos lições valiosas a aprender. De comedimento, auto-controle, desapego.

- Isso é claro Gordon... - Disse o Cavaleiro. - ...se você estiver disposto a aprende-las.

A fumaça do altar mais uma vez se lançou magicamente no ar, os olhos de Gordon ficaram mais pesados e no seu torpor semi-hipnótico, ele deixou um pequeno sorriso lhe dominar a face quando disse:

- Claro, me ensinem o que puderem.

- Feche os olhos e medite Gordon. - Disseram os monges em uníssono.

E quando Gordon fechou seus olhos e respirou mais uma vez aquela fumaça densa, o mundo a sua volta se transformou.

Ele caiu no espaço por longos segundos, desorientado e espantado. Então viu a seu lado Beggar e o Cavaleiro, que também caíam, mas estavam de pé e tranquilos. O Convicto tentou se ajeitar, mas foi tarde, bateu em algo.

A príncípio ele não entendeu o que era, sentia-se envolvido dos pés a cabeça, era difícil respirar. Mas então seu tato aos poucos reconheceu onde se encontrava. Estava de alguma forma envolvido numa cascata de cabelos longos e grossos. A sensação, embora alienígena, era muito agradável e Gordon se pegou tentando tragar aquele perfume delicioso.

- Da vontade de ficar aqui pra sempre não é? - Perguntou o Cavaleiro acima da "margem" do rio de cabelos perfumados.

- O que é isso? - Gordon flutuava em meio as madeixas, somente com a cabeça de fora. - Onde estou? De quem são esses cabelos?

- Não se acostume com esse toque Convicção. - Disse Beggar, que surgiu ao lado do Cavaleiro. - Embora confortável, a vida é impermanente, inconstante. Você tem que sair daí.

- Mas eu não quero, é realmente muito bom! Vocês deviam entrar aqui! - Gordon se segurou aos cabelos sem nem mesmo perceber.

- Temo que não Gordon. Você deve deixa-los soltos. Vamos, saia daí. - Disse o Cavaleiro estendendo a mão.

- Não! Não vou sair daqui! É tão... confortável e aconchegante. - Os cabelos que Convicção apertava estavam agora enrolando-se em seus braços e pernas, uma mexa se enrolou perigosamente em seu pescoço.

- O conforto que eles oferecem é vão Gordon. - Disse Beggar.

- E o preço que cobram, alto. - Terminou Solidão.

- Livre-se dessa ilusão! - Disseram juntos.

- Não...não quero...não...me deixem em paz. - Gordon estava sonolento, os cabelos agora o apertavam com força deixando marcas roxas em seu corpo. Ele finalmente começou a sentir dor. - Hey, que está acontecendo? Me solte!

- Se livre da ilusão Gordon. - Insistiu Beggar com firmeza.

Concentrando-se na maciez daqueles cabelos e naquele perfume enebriante, o Convicto colocou-se a pensar em como aquilo o prendia a sentimentos ruins. Afinal, era confortável estar ali, mas o sentimento da perda era insuportável. Grilhões.

Os cabelos se transformaram em correntes imediatamente, enferrujadas e fedorentas. Gordon escalou sua saída até os dois mentores que o aguardavam.

- Muito bem. - Disse Solidão. - Acabou de aprender talvez a lição mais valiosa que nós poderíamos te ensinar.

- Livre-se da ilusão Convicto. Não existe controle. Não existe controle sobre nada. - Disse Beggar. - Você deve se concentrar nos acontecimentos que a vida lhe entrega, não nas coisas que você agarra com unhas e dentes, não nas ilusões que você estrangula com seu desejo!

Gordon entristeceu-se, abaixou a cabeça. - Eu entendo.

Como se acordasse, as luzes se acenderam, estavam os três de volta no templo sentados no chão, o ar cheio de fumaça azulada e doce.

Solidão tinha no rosto a mesma expressão triste de Gordon, seus olhos estavam inflamados e parecia que o Cavaleiro ia chorar a qualquer instante. Beggar tinha o semblante sereno de sempre, austero e estóico.

Uma fadinha azul pousou no ombro de Gordon, ele pareceu voltar à realidade.

- Era só isso o que tinham pra me mostrar?

Solidão ficou em silêncio, Beggar se levantou:

- Tínhamos muito mais pra mostrar Convicto, mas eu acredito que você entendeu tudo com a primeira demonstração. A lição mais importante é o desapego. Não se entregue a sentimentos que você nem mesmo tem certeza de que estão lá, isso vai feri-lo mais do que qualquer coisa.

- Livrar-me da ilusão do controle. Vou meditar a respeito. Quem é o próximo?

Gordon saiu do templo seguidos pela costumeira revoada de fadinhas azuis, Desespero estava preparado para partir.

- Já posso te devorar agora?

- Cala a boca seu gordo idiota...

- Boca grande pra alguém que está pra ficar louquinho da silva. Pra onde vamos?

- Ver meu irmão.

- Nós já vimos Everton.

- Meu OUTRO irmão.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte VIII: O Terceiro Irmão Banks.

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