sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Inferno de Gordon, parte V: Nanook, the Dark Hunter of Lust.

Caminhavam os heróis numa tundra gelada e desértica, Gordon na frente, Beggar à direita e Desespero à esquerda. As fadinhas estavam todas pousadas nos pelos grossos do urso pardo, enroladas e confortáveis, a salvo do frio, rindo e cantando.

O deserto gelado se extendia por quilômetros, plano, hostil, estéril. Nada se via além de um branco puríssimo e cegante. Os viajantes cobriam os olhos semi-cerrados e andavam contra o vento cortante, a sensação era de um frio extremo, mesmo assim, Beggar não vestia nada além de seus trapos de costume. Gordon estava agasalhado com roupas pesadas que comprou no vilarejo.

Caminharam no que eles achavam, quase com certeza, que era uma linha reta durante horas. Não viram nada além do céu azul claro se chocando com o chão branco e congelado.

- Tem certeza de que você sabe pra onde está indo? - Beggar perguntou alteando a voz pra ser ouvido acima do barulho do vento.

- Eu tenho que acreditar que sei! - Gordon gargalhou aquela risada grave e curta. - Toda a existência aqui no Vortex se sustenta sobre esse tipo de coisa, não? Você sendo sábio, Razão sendo lógico, o Golem sendo inocente e eu...acreditando!

Beggar apenas sorriu e balançou a cabeça, continuou seguindo Convicção.

Eles finalmente avistaram, depois do que pareceram mais de 18 horas de caminhada, um vulto negro muito pequeno no horizonte, parecia um homem. Seguiram naquela direção. Ao se aproximarem, constataram que era realmente um homem, estava vestido com um traje de esquimó, feito de um couro azulado e grosso. Estava com a cabeça coberta por seu capuz e no rosto usava uma máscara de madeira em forma de óculos, a pele do rosto era muito branca. O homem era alto, quase anormalmente e segurava uma lança longa e de aparência poderosa. Ele estava guardando um buraco de um metro no gelo, a um metro de profundidade a água escura e gelada estava calma.

- Olá. - Gordon começou, mas foi bruscamente interrompido pela voz seca e rouca do esquimó.

- Silêncio!

Um silêncio desconfortável se estendeu por alguns segundos.

- Eu sou Nanook. - O caçador sussurrou. - Nã - Nuk. O Caçador Sombrio da Luxúria. Silêncio!

Um vulto escuro se mexeu na água, Nanook precipitou sua lança que atingiu carne gorda e macia, o sangue esguichou e ele puxou sua presa pra fora d'água. Dando gritos orgasmáticos, uma criatura se debatia na ponta da lança, era grande e lembrava uma foca, mas tinha uma cabeleira espessa e ruiva na cabeça, seios imensos e flácidos, tinha cor de pele humana clara, não era um animal comum. O caçador sorriu com perversão enquanto sacava uma faca de caça do cinto, dirigiu a lâmina até a garganta da presa e sem hesitar cortou-lhe o pescoço que jorrou sangue. Gordon e os outros apenas assistiam ao espetáculo bizarro sentindo-se confusos e impotentes.

- Mais uma. - Riu rouco o esquimó.

- O que era isso? - Gordon perguntou com genuína curiosidade.

- O que era? Uma mulher oras! Estou caçando essa aqui há dias, finalmente a fodi! - gargalhou alto e sua voz rasgada incomodou os tímpanos de todos.

Gordon fitou Beggar em busca de conselho, mas o monge-mendigo parecia tão confuso quanto ele.

- Bom, você sabe o que está acontecendo? A espiral de loucura na qual o vortex está se transformando e como eu devo impedir que isso ocorra?

Nanook agora estava abaixado perto da carcaça, ele fazia pequenos cortes descomprometidos na carne.

- Ouvi boatos, todos ouvimos. Honestamente? Não me importo.

- Não se importa?

- Não. Vivo aqui sozinho desde muito tempo atrás, nesse deserto branco. Nunca me deixaram sair, não de maneira apropriada pelo menos. Sou um prisioneiro aqui Convicto. - Ele se levantou e olho pro horizonte. - Ah, as coisas que eu poderia fazer se me deixassem sair daqui. Você ia viver a vida Gordon, finalmente ia viver a vida.

- A julgar pelo que acabei de ver, não sei se quero o que você oferece.

Nanook olhou para a carcaça, de súbito correu pra sua lança, se voltou pro buraco e investiu contra a água. Uma criatura semelhante à primeira, mas dessa vez de cabelos loiros e seios pequeninos se debateu na ponta da arma. O esquimó riu alto.

- Aqui está mais uma Gordon! Você a quer? Quer fode-la? Eu posso fazer acontecer!

Gordon dirigiu um olhar de nojo ao caçador e permaneceu em silêncio.

- Bah! - Nanook sacou sua faca novamente e enfiou-a nas tripas do animal que se debateu de dor, deu-lhe uma facada no peito e outra então no pescoço, logo a criatura parou de se mexer. - O poder que eu poderia lhe dar Gordon, as mulheres que conquistaríamos juntos! Se ao menos você reconhecesse o seu potencial, mas não, insiste em se rebaixar, se fazer inferior!

Imperceptívelmente, Desespero engordou 40 quilos, suas presas ficaram ligeiramente maiores e ele rosnou baixinho satisfeito.

- Não é isso que eu quero Nanook. Caçar mulheres como se caça comida, é nojento.

- Você interpreta muito bem esse papel, mas acredita mesmo nisso Convicto? Nunca lhe passou pela cabeça como seria? Só se entregar à Luxuria sem pensar em mais nada? Sem culpa, sem existencialismo, sem pensamentos profundos? - Aos pés do esquimó, em pleno gelo, brotou um pequeno ramo verde.

Gordon ficou em silêncio ouvindo seus próprios pensamentos. Beggar o observava com preocupação. Desespero estava deitado no gelo com ar satisfeito e as fadinhas ainda estavam enroladas nos pelos grossos do urso.

- Eu quis isso. - Gordon cedeu. - Eu quis isso por muito tempo Nanook. Ser como todos os outros. Ser fútil, vaidoso, vão. - O ramo verde deu um broto roxo. - Queria não temer meus sentimentos, nem mesmo senti-los! Queria ser só mais uma casca sem conteúdo algum, viver pra beber, fumar e foder! - O broto se abriu numa linda flor. - Mas eu não quero mais isso. Eu pude perceber o quão infelizes são essas pessoas. Com medo de tudo, sem saber pra onde ir, sem saber o que fazer além de beber, fumar e foder. Hoje não existe mais esse desejo em mim Nanook, de ter mil mulheres. Eu quero algo real caçador, algo no que acreditar e não somente mais uma presa. Você não tem nada pra me oferecer, vai continuar preso nesse deserto branco, estéril e PURO.

A flor roxa aos pés do esquimó enegreceu e murchou, caiu no solo gelado destruída.

- Entendo. - Disse Nanook. - Mas eu não cessarei de existir, vão existir outras oportunidades pra me libertar. Se a loucura não se instalar no Vortex, alguma outra coisa eventualmente vai. E então eu vou caminhar livremente Convicto.

- Como saio daqui? Quem é o próximo?

- Siga naquela direção. - Nanook apontou o Leste. - Vão saber quem é o próximo quando deixarem as geleiras.

Gordon não se despediu, apenas começou a andar na direção sugerida. Beggar fez uma ligeira reverância e se retirou e atrás deles foi Desespero, um pouco mais gordo, um pouco mais forte e um pouco mais faminto.

Nanook os observou se afastar durante vários minutos, até virarem pontos negros no horizonte. Voltou-se pro buraco de água escura, algo se mexeu lá embaixo. Ele largou a lança no chão.

- Foda-se. Broxei.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte VI: O Templo da Flor de Lótus.

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