domingo, 7 de fevereiro de 2010

O Inferno de Gordon, parte IV: Everton, pois seu pior inimigo é sempre você.

O mar urrava furioso e jogava o pequeno barquinho de um lado pra outro sem piedade em ondas de 15 metros de altura. Lá dentro da pequena cabine da embarcação, Gordon, Beggar e Desespero se seguravam como podiam nos móveis e paredes. Uma poltrona solta ia e vinha atingindo os joelhos deles várias vezes, as fadinhas riam cada vez que isso acontecia, empoleiradas numa prateleira vazia.

- Odeio o mar! - Gordon gritou por sobre o barulho da tempestade.

- Eu também posso pensar em alguns lugares melhores pra estar agora. - Desespero admitiu.

Beggar apenas guardou silêncio e deu um sorrisinho com o canto da boca.

A tempestade começara assim que a terra sumiu de vista no horizonte e durava cerca de dez ou onze horas. Estavam todos exaustos, mas não parecia que aquilo ia durar muito mais.

- Slayer disse que ele nos encontraria! - Beggar repetia a cada meia hora, o barulho das ondas encobrindo partes da sua frase.

Logo escureceu e a tempestade, mesmo sem aumentar de intensidade, parecia ainda mais sinistra. Os raios iluminavam a superfície do mar e mais de uma vez Gordon jurou ver sombras imensas debaixo da água, leviatãs marinhos prontos pra atacar. Mas nunca atacaram.

Na alta madrugada o mar pareceu finalmente se cansar, embora ainda chovesse forte, mas o vento diminuiu e o barco estava mais estável. Gordon saiu da cabine pra tentar ver alguma coisa, no horizonte ele avistou uma luz que reconheceu como sendo uma outra embarcação.

O segundo barco era um pouco maior do que o barco onde estavam, tinha uma aparência mais segura e "experiente". Conforme se aproximou dava pra ver uma pintura azul pálida e as letras grandes na lateral que indicavam o nome da nau, "The Merrow". Na proa estava o homem que Gordon menos queria ver ali, seu gêmeo identico, Everton. Ele jogou uma corda grossa sobre o convés.

- Subam! - Ordenou.

Após a difícil tarefa de transferir um urso do tamanho de Desespero de um barco ao outro, estavam todos bem, o anfitrião guiou-os pro interior, uma cabine escura e solitária onde na porta lia-se "Captain Troll".

Everton, embora identico a Gordon, tinha alguns traços bem interessantes pra distingui-los. O capitão do Merrow não tinha a perna direita, que era substituída por uma perna tosca de madeira escura. Seu rosto era deformado por uma cicatriz larga que cruzava por cima do seu olho direito, branco e cego. E finalmente a mão direita só tinha três dedos, faltando o anelar e o mindinho.

- Essa jornada é inútil! - Ele bradou enquanto pegava copos e garrafas num armário. - Você é fraco demais pra conseguir. - Concluiu o capitão.

- Agradeço o voto de confiança cara. - Gordon disse cínico.

- Calado. - Ele serviu bebidas a todos e mancou até uma poltrona na qual se jogou desajeitado. - Eu falo, você escuta, pega tudo que eu disse e faz o que quiser com isso. É assim que tem funcionado não? Você ouve um sermão de cada um de nós e no final vai ter que se virar pra evitar o fim. Evitar o inevitável. - Ele fungou pelo nariz.

Gordon ficou em silêncio, visivelmente contrariado.

- Vocês me chama de Egoísmo. - Everton começou. - Justo. Vamos falar do quanto somos egoístas então.

Ele deu um gole em sua bebida e todos repetiram o gesto, pra surpresa de todos, era apenas suco de guaraná.

- Você é o unico que pode se salvar Gordon. E você também é o único que pode se condenar. Salve-se e vai salvar a todos, desista e estamos todos fodidos.

- Vou precisar de mais que isso. Como eu posso superar minhas limitações e fazer o que é preciso pra alcançar nossos objetivos?

Caiu um silêncio sobre o cômodo, quebrado apenas pelas fadinhas voando pra todos os lados e brincando entre si, falando naquela língua estranha e ininteligível delas.

- Não sei o que responder.

Beggar se levantou.

- Então estamos perdendo tempo aqui. Vamos em frente.

- Sente-se velho! Eu tenho uma coisa ou outra pra dizer...só não sei responder essa pergunta, não da maneira como ele perguntou. Acho que superar suas limitações e fazer o que é preciso não é uma fórmula mágica. Você terá que tratar cada caso como único.

- Entendo. - Gordon disse enquanto Beggar se sentava ofendido.

- Você basicamente já conseguiu as suas duas maiores armas nessa jornada, medo e coragem vão te levar longe. Agora, acho que egoísmo vai ser uma coisa útil na hora de balancear quando usar o medo e quando usar a coragem, entende? Eu sei muito bem dos nossos defeitos, falar demais, sem pensar, apaixonadamente demais. Nessas horas, você terá de aprender a se refrear e usar o medo pra fazer uma barricada sentimental na sua verborragia. E quando você estiver inseguro, em dúvida, sem esperanças, terá de usar a coragem como combustível pra seguir em frente. Como eu disse, o único que pode te impedir de conquistar o que quer que seja, é você mesmo. Seja por ser audacioso ou por ser medroso demais. Ser egoísta na medida certa vai te ajudar a medir as consequências dos seus atos, e principalmente, das suas palavras.

- Nós falamos demais, saquei. - Gordon dissem em tom entediado.

- Sim falamos. - Everton repetiu severo. - Você principalmente Convicto! Meu conselho extra-oficial é, aprenda a manter a maldita boca fechada seu imbecil!

Desespero riu baixo e Beggar fez um olhar reprovador, Gordon gargalhou alto.

- Esse foi o melhor conselho que me deram até agora sabe? Mas a merda está feita, palavras são como flechas meu bom irmão, temos que nos focar em resolver o problema atual.

Continuaram a conversa de maneira mais informal a partir dali, Beggar ficou impressionado, jamais vira os gêmeos conversando de maneira tão civilizada antes. Atacaram-se muito pouco até que começaram a ouvir aves marinhas, estavam perto da terra.

Desceram do barco num porto gelado de uma cidadezinha costeira, as montanhas ao redor estavam cobertas de gelo, eles rumaram diretamente pra elas pra encontrarem o próximo personagem da jornada. Gordon estava tendo um sentimento estranho no estômago, a partir dali, daquela conversa com o homem que mais odiava em todo mundo, ele mesmo, pegou-se pensando que tudo estava agora sobre uma balança e que cada ação ia empurra-la numa direção ou em outra. Sanidade e insanidade eram uma questão de saber controlar-se da maneira apropriada agora.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte V: Nanook, the Dark Hunter of Lust.

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