quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Inferno de Gordon, parte III: Slayer, Plebeu-Medo.

Londres era só neblina e garoa fina naquela manhã. Na entrada da cidade estavam estacadas 3 figuras imponentes. Um jovem alto e gordo de olhar feroz, Gordon. Um velho careca de ar cansado e sábio, Beggar. Um imenso urso pardo de olhos muito negros e vazios, Desespero. Ao redor deles um enxame de luzes azuis circulava alegremente, fadinhas de 2cm de altura e asinhas de formiga.

- E então? - Gordon perguntou pra ninguém em particular.

- A cidade parece deserta. - Beggar disse sombrio.

- Obra do tal assassino que vive aqui?

- Slayer não é um mero assassino. - Desespero cortou o diálogo com sua voz grave e cruel. - Ele representa o próprio medo e mais ainda.

- A besta tem razão Gordon. O mal que habita esse esqueleto de metal e concreto é absolutamente vil. - O monge-mendigo fez uma pausa dramática. - É uma pena, mas acho que você deve enfrentar esse desafio sozinho.

- Sozinho? - Era Desespero quem parecia mais surpreso.

- Sabedoria não chega a ser útil contra o puro medo e eu temo que sua influência vá aumentar o poder de Slayer urso.

- Sagaz. - Riu Gordon. - Levo as fadinhas comigo, inspiração pode ser útil. Deem a volta e me encontrem na saída da cidade, eu vou o mais rápido que puder.

Separaram-se, o urso e o monge por um lado e Gordon, rodeado pela mística nuvem azul de fadinhas alegres, entrou pela rua Londres adentro.

O vento corria por entre os prédios rápido e deixava tudo gelado e duro. Gordon juntou os braços contra o peito e soprou uma baforada quente contra as mãos. O enxame pareceu ficar ligeiramente mais lento, mas as fadinhas ainda riam alto e davam gritinhos animados a cada esquina.

O jovem andou pelas ruas da cidade que jamais conhecera realmente, todos os pontos turísticos pareciam suspeitamente próximos uns dos outros, o Big Ben, o Palácio de Buckingham e aquela roda-gigante imensa que ele nunca realmente se importou de saber o nome. Logo ele encontrou algo que chamou sua atenção, a placa na rua indicava que ele estava na Rua Mothway. Seguiu por essa nova via até a esquina com a 6ª rua, viu um Pub classicamente bretão.

- Achei que esse bar ficasse na América. - Disse pras fadinhas. Elas riram alto e dardejaram ao redor da porta semi-aberta. Gordon entrou com cautela e viu alguém sentado ao balcão.

Era um homem pequeno, mirrado, sua aparência era fraca e débil, tinha a cabeça calva, mas de cabelos ainda castanhos, seus olhos eram negros e ordinários, mas cheios de um ódio e revolta como Gordon jamais vira em quaisquer par de olhos que não os seus próprios. Ele estava debruçado sobre o balcão e segurava uma longa faca de aço na mão direita.

- Olá Convicto. - Disse com uma vozinha fraca.

- Slayer. - Gordon cumprimentou de volta. - Imagino que saiba de tudo. O fim, a loucura e tudo o mais.

- Ouvi dizer, mas não quis verificar. Tive medo que fosse verdade.

- É verdade. - As fadinhas explodiram em gargalhadas agudas.

Slayer estremeceu.

- A serpente emplumada surge no horizonte, sou apenas um servo.

- O que você disse? Que serpente? Do que está falando?

- Do que você tem medo Convicto? Do que você tem medo Gordon? Ou seria Everton?

Gordon fechou a cara imediatamente.

Slayer riu baixinho, mas logo parou.

- Eu sei do que você tem medo jovem.

- Vá direto ao ponto! - Gordon ergueu a voz, Slayer se encolheu contra o balcão, depois virou pra encarar o rapaz pela primeira vez, a faca em sua mão gotejava sangue fresco.

- Sua jornada rumo ao encontro iminente consigo mesmo não é motivada pelo medo de enlouquecer Gordon. - Slayer pela primeira vez tinha uma voz firme e parecia não tremer ou sentir medo de nada. Estava consciente, sóbrio. - O que você mais teme é que tudo o que você está enfrantando seja por nada. Seu medo é que a culpa de tudo isso seja sua, só uma carência boba que você precisa suprir, não importando bem como. Custe o que custar, doa em quem doer. Seu medo é se dar conta de que você vai pisar em qualquer um em seu caminho pra conseguir o que você pensa que quer.

O jovem ficou em silêncio e sentindo sua seriedade as fadinhas pousaram em seus ombros e coçaram os queixinhos carrancudas. Gordon pesou aquelas palavras e sentiu o gosto amargo daquela sabedoria profana. Respirou fundo.

- Meu medo tem algum fundamento?

- O medo sempre tem fundamento, mas nem sempre ele é real. As pessoas temem animais que não podem feri-las pela mera lembrança das doenças que eles podem transmitir. Você teme a solidão, mas acima de tudo, você teme o que está disposto a fazer pra não se sentir só. O Cavaleiro lhe deixou uma herança cruel.

- O que eu faço pra não sentir medo?

Slayer gargalhou alto assustando Gordon e as fadinhas, elas gritaram e saíram voando pelas janelas deixando-os a sós.

- Não se pode simplesmente "não sentir medo". O medo faz parte de você, ele te impõe limites. O melhor que você pode fazer é aprender com o seu medo e tentar doma-lo. Resista aos seus impulsos infantis, lute contra aquela vontade de dizer tudo o que pensa! Coragem te dá asas pra ser um herói, o Medo te dá a disciplina pra isso!

Um silêncio pesado tomou conta do Pub, os dois apenas se encaravam, então Slayer desviou os olhos e seu transe terminou, virou-se e voltou a gaguejar e tremer.

- Agora vá Convicto, você ainda tem um longo caminho. - Disse com a voz fraca.

- Quem é o próximo?

- Vá até o porto, lá um barco os espera. As fadas já foram buscar Beggar e Desespero. Navegue pro Norte, ele vai achar você.

- Ele quem?

- Seu pior inimigo.


A SEGUIR: O Inferno de Gordon, parte IV: Everton, pois seu pior inimigo é sempre você.

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