sexta-feira, 21 de março de 2008

Escrevendo por culpa

Era um daqueles dias em que o ar está parado, as pessoas andam silenciosas, como se seus passos não fizessem barulho. Era feriado.

Aquele vazio vinha me devorando há alguns meses, eu achei que havia superado o que quer que fosse, mas aparentemente ainda estava contaminado com aquela incapacidade de sentir qualquer coisa.

O tempo parecia parado, ainda assim os dias corriam como corcéis selvagens, livres e caóticos.

Eu tinha visto duas pessoas morrerem no trabalho em menos de uma semana. Aquilo tentava me dizer algo, mas eu não queria pensar em nada.

Aí vi a Doutora, jovem, alta, cabelos negros, quadris largos. Ela estava dando a notícia pra família e eu por um instante pensei que aquele devia ser o pior trabalho do mundo. Um dos familiares começou a chorar.

Eu tenho esse direito? De me sentir tão mal? Acho que não...nenhum de nós tem...cancelamos o direito uns dos outros de nos sentirmos péssimos, porque sempre existe alguém em situação mais desesperadora.

Ai me passou um monte de coisa pela cabeça, e no meio do turbilhão lembrei de uma cena engraçada.

Um menino de 14, 15 anos andava de bicicleta, perdeu o equilíbrio e levou um tombo feio no asfalto. Um negrão careca, amigo meu, estava por perto e alertou: Cuidado pra não cair hein! O garoto possesso com a brincadeira e o tombo lançou: Vai tomar no seu cú!

Era simples, bobo, cotidiano, mas eu comecei a rir, me senti feliz pela primeira vez em meses.

De repente, aquele gosto amargo já não estava mais lá.

A vida era boa.
 
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